Com uma longa carreira dedicada à gerontologia, Alexandre Kalache, doutorado em epidemiologia pela Universidade de Oxford, fundador do Centro Internacional de Longevidade Brasil, passou os últimos 47 anos à procura de formas de tornar o envelhecimento mais digno e saudável. Filho de uma família multicultural, aprendeu nas conversas com os avós, um dos quais portugueses, sobre pluralidade de olhares e saberes que efervesciam na sua casa, no Rio de Janeiro.
Organizada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a palestra sobre o “Impacto da pandemia nas pessoas mais velhas – estratégias para mitigar os seus efeitos” acabou por ser o mote para debate mais alargado sobre o envelhecimento ativo e saudável. A iniciativa realizou-se esta sexta-feira, 18 de março, no auditório da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLP), em Lisboa, contando com a participação de vários técnicos da Santa Casa e da Rede Social de Lisboa. Sérgio Cintra, administrador da Ação Social da Santa Casa, abriu a palestra, defendendo que é preciso “encontrar novas formas de solucionar problemas relacionados com a temática da longevidade e envelhecimento”.
A pandemia foi a “maior tragédia sanitária da nossa história recente”
Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil, sublinhou que a pandemia, além da “maior tragédia sanitária da nossa história recente”, foi acompanhada por um “tsunami de preconceito e discriminação”. O médico explica que “não foi apenas uma pandemia”, e sim, uma superposição de crises além da sanitária, foi também uma “crise económica, ética, social e moral”.
Atento e preocupado com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o orador brasileiro destacou que “a solidão é a outra grande pandemia que estamos vivendo”, encorajando os decisores políticos e entidades a desenharem políticas amigas de todas as idades”.
Mais “desigualdade e pobreza”
Na opinião de Alexandre Kalache “a pandemia vai continuar a manifestar-se, agravando a desigualdade e a pobreza nas sociedades e, simultaneamente, acelerou o envelhecimento das sociedades”. O médico lembrou, ainda, que a pandemia revelou problemas que estavam ocultados e que, por isso, a crise sanitária foi também um “momento de aprendizagem e de preparação”.
“Antes, envelhecer era um privilégio de poucos”
“A grande conquista social dos últimos 100 anos foi, sem dúvida, envelhecer. Antes, envelhecer era um privilégio de poucos”, destaca. “Hoje vivemos mais. É uma conquista que deve ser celebrada”, lamentando que o aumento da esperança de vida seja “encarado com um fardo, por alguns políticos, porque não há uma economia que possa gerar recursos para sustentar esse envelhecimento”.
O envelhecimento também é um desafio
No entanto, Alexandre Kalache explicou que a conquista do aumento da esperança de vida também traz novos desafios, responsabilidades e problemas. Que sociedade vamos ter em 2030/2050? Vamos estar preparados para o envelhecimento da sociedade? Quem irá cuidar/tratar dos mais velhos? Quem irá trabalhar? foram algumas das questões abordadas pelo orador.
Envelhecer é mais do que ter comida no prato
“A definição de envelhecimento ativo é o processo ao longo da vida para melhorar as oportunidades para quatro coisas importantes. A primeira é saúde, isso é universal. O segundo é conhecimento. Se você não tem conhecimento, você não pode participar da sociedade, você vai perder oportunidades, ainda mais agora com a tecnologia explodindo. Conhecimento significa aprender a aprender, sempre. Com saúde e conhecimento, você abre a porta para o terceiro pilar, que é a participação”, explicou.
No final, Kalache deixou um desafio para uma aliança atlântica entre Portugal e o Brasil sobre a temática da longevidade e do envelhecimento.
Já antes, na abertura da palestra, Sérgio Cintra, administrador com o pelouro da Ação Social da Santa Casa, sublinhou que a presença de Alexandre Kalache “é um privilégio e uma oportunidade para aprender, para fazer novos diagnósticos e encontrar novas formas de solucionar problemas relacionados com a temática da longevidade e envelhecimento”. Destacando a importância do projeto RADAR e da sua atuação na cidade de Lisboa, o administrador sublinhou que “a solidão tem, atualmente, outra dimensão e a Santa Casa tem o dever de preparar a cidade para o seu envelhecimento”.
Por outro lado, Vítor Ramalho, secretário-geral da UCCLP, agradeceu e elogiou a realização da iniciativa, sublinhando que a palestra será “útil para entender o impacto real da pandemia nas pessoas mais velhas”.