“Foi amor à primeira vista. É uma pessoa extraordinária, muito humana. Gosto imenso dela e não digo isto por ela estar aqui”. É assim que Elisabete Hipólito, de 77 anos, fala de Denise, de 37. As quatro décadas que separam as idades das duas só acrescentam valor à história que ambas começaram a construir em comum há cerca de três meses.
Denise faz voluntariado ao domicílio, proporcionado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Já tinha tido outra experiência de voluntariado, mas atualmente dedica-se a visitar pessoas e a oferecer-lhes o seu tempo. É o caso de Elisabete. Desde a morte da mãe, já centenária, Elisabete ficou praticamente isolada. Partilha a habitação apenas com o dono da casa, mas há muito que lhe faltava uma presença amiga e até força para viver.
“Após o falecimento da minha mãe, tive alguns momentos em que apetecia-me ir embora. Deixei de comer, de me arranjar, de sair… Passava os dias em casa e apanhei uma grande depressão”, recorda, com alguma mágoa no olhar.
Porém, tudo viria a mudar. A equipa que acompanhava Elisabete recomendou-lhe uma solução, que numa primeira fase poderia passar por um centro de dia. Esta ideia não lhe agradou, mas foi então que decidiu aceitar receber um voluntário em casa.
“Disse que não queria uma pessoa qualquer, queria alguém que falasse comigo. Sou uma pessoa muito atualizada e gosto imenso de gente jovem. Disse logo à senhora doutora: não me traga velhotes porque para isso estou cá eu! Nem pessoas feias! E mereceu a pena a espera, estou muito feliz. Agradeço muito à Santa Casa por me ter possibilitado este serviço”, explica Elisabete.
Elisabete Hipólito
Ao seu lado, Denise escuta os elogios de sorriso nos lábios. É estudante na área da multimédia e todas as terças-feiras, de manhã, reserva duas horas do seu tempo para fazer companhia à “dona Elisabete”, como lhe chama.
“Não faço isto propriamente por mim. Sei que dou o meu tempo a alguém que o quer receber. É mais por aí e sinto-me bem. É bom ver a dona Elisabete toda bonequinha”, refere a voluntária.
“Normalmente os voluntários são pessoas mais velhas e eu percebo o que a dona Elisabete diz: nós absorvemos mais vida quando estamos com pessoas mais novas”, adianta.
Nos últimos meses têm-se conhecido mutuamente e o tempo tem ajudado, possibilitando passeios ao ar livre, muito apreciados pela utente.
“Eu peço sempre para ir à igreja e depois vamos ao Jardim da Estrela, que é muito bonito e faz-me lembrar os meus tempos de infância. Outras vezes vamos para Campo de Ourique. Agora tinha programado visitar uns conventos que não se pagam, se a Denise estiver de acordo. E depois estendermos mais um bocadinho, porque gosto de ver museus… Vamos andando por aí”, relata Elisabete, enquanto olha para Denise.
Quando perguntamos se conta os dias da semana à espera de Denise, Elisabete não só confirma como vai ainda mais longe.
“Às vezes até nem durmo. E fico irritada se ela se atrasa, telefono-lhe logo!”, diz entre risos, justificando logo depois: “Sou pontualíssima. Se há coisa que me irrita é ter de esperar, mas também não deixo esperar ninguém”.
Elisabete Hipólito, Andreia Guerreiro e Denise
A cumplicidade entre ambas é notória. A meio da nossa conversa, Denise pergunta se o problema da televisão já está resolvido e Elisabete confirma. É também na questão das tecnologias que a voluntária ajuda a sua amiga mais velha, que até já pensou no que fazer caso a chuva apareça.
“Se um dia chover, ficamos em casa e ela ensina-me a trabalhar com o telemóvel, que já esteve duas vezes para ir pela janela”, avisa em tom de brincadeira.
Além do gato Ravel, que, segundo Elisabete, foi buscar o seu nome ao autor da célebre obra musical ‘Bolero’, está connosco na acolhedora cozinha Andreia Guerreiro, coordenadora do Serviço de Apoio Domiciliário (SAD). Vê com satisfação este caso de sucesso no voluntariado ao domicílio, mas sublinha a delicadeza com estes processos têm de ser tratados.
“Há muitos voluntários disponíveis, mas temos sempre de gerir na tentativa de fazer sentido. Procuro não impingir esta situação. A pessoa pode não dizer que quer receber um voluntário, mas eu percebo o contexto. Por exemplo, a dona Elisabete teve durante muito tempo aqui a mãe a cargo. Face ao seu falecimento, começou a entrar numa fase de isolamento. É ver estes sinais para que depois possamos sugerir, porque geralmente as pessoas não têm essa iniciativa”, explica Andreia Guerreiro, realçando o cuidado a ter na seleção de voluntários “porque os utentes não são amostras”.
Experiência singular
Por ser um tipo diferente de apoio, o voluntariado ao domicílio merece especial atenção, como explica Rita Turras, diretora do Núcleo de Gestão de Produtos de Apoio da Santa Casa.
“O Serviço de Apoio Domiciliário tem características muito específicas e é um cliente natural da Unidade de Promoção de Voluntariado. É completamente diferente apoiar pessoas dentro das suas casas ou dentro de espaços da Misericórdia. Para este apoio é necessário ter também formação específica”, refere a responsável, sublinhando os destinatários.
“Há pessoas que já são voluntários da Santa Casa mas que querem experimentar esta realidade. Temos outras que estão neste momento a entrar como voluntários na Misericórdia e ainda estão numa fase de discernimento. E, às vezes, temos também pessoas que já estão no SAD, mas que não tiveram oportunidade de fazer esta formação antes de iniciar a sua atividade”, acrescenta.
Para Rita Turras, “todas as formas de voluntariado são gratificantes”, mas o apoio domiciliário torna-se singular pela “relação de um para um”, da qual resulta “um impacto imenso na vida daquelas pessoas”.
E, talvez por isso, “a grande maioria” dos voluntários quer regressar ao ativo após concluir uma primeira experiência.
“Mesmo quando há um processo de perda, por integração do utente em lar ou até por morte, por vezes há um período de luto, mas muitos mostram-se logo disponíveis para visitarem outra pessoa”, conclui.
Saiba como tornar-se voluntário da Santa Casa.