A sessão foi abertura esteve a cargo de Luís Rego, administrador da Santa Casa, que agradeceu a presença de todos e destacou que, pelo terceiro ano consecutivo, a instituição celebra esta data com um conjunto de iniciativas que refletem o seu compromisso com a integração e valorização das pessoas com deficiência. No seu discurso, o responsável sublinhou a importância da dignidade e da autonomia: “Para nós, o que verdadeiramente importa não são as dificuldades que enfrentamos, mas sim aquilo que conseguimos fazer para as ultrapassar. Só assim valorizamos cada pessoa no seu exercício de cidadania. Este dia é, antes de tudo, um momento para sublinhar a importância da promoção dos direitos e do bem-estar das pessoas com deficiência, garantindo a sua participação plena nos diversos domínios da vida social, cultural, económica e política.”
Luis Rego não esqueceu o papel histórico da SCML: “Com 527 anos de história, esta Casa tem sido pioneira na integração e valorização das pessoas mais vulneráveis. É um legado que nos orgulha e que nos responsabiliza.” E finalizou com um reconhecimento interno, fazendo questão de agradecer às equipas da SCML envolvidas na iniciativa, destacando o “empenho coletivo que torna possível a concretização de projetos” que dão voz e visibilidade às pessoas com deficiência.
Por sua vez, António Santinha, Diretor da Direção de Infância, Juventude e Família da SCML, apresentou os atletas convidados da conferência, não sem antes recordar o percurso de Portugal nos Jogos Paralímpicos, iniciados em 1960, com a primeira participação nacional em 1972. Desde então, os atletas portugueses conquistaram 92 medalhas, das quais 25 de ouro, testemunho da força e talento que marcam o desporto adaptado.
Histórias de vida e superação
Moderada pelo comunicador Francisco Dias, a conferência deu voz a atletas que transformaram barreiras em conquistas.
Com apenas 19 anos, Vicente Pereira é campeão do mundo de natação adaptada e um exemplo vivo de como o desporto pode transformar vidas. Portador de síndrome de Down, Vicente começou a nadar aos 4 anos, incentivado pela família, que sempre esteve ao seu lado.
A sua rotina exigente – treina quatro vezes por semana, sempre de manhã cedo, dividindo o esforço entre a piscina e o ginásio – não o impediu de tirar um curso de culinária, uma vez que cozinhar é outra das suas paixões.
Vicente é descrito como ultrafocado e determinado, e parte dessa força vem da família. O pai, presente na mesa-redonda, destacou o papel essencial da família no percurso do jovem: “A inclusão começa em casa. Temos é de lhes dar ferramentas. O Vicente consegue surpreender-nos todos os dias.”
Para já, um dos grandes sonhos do Vicente é chegar aos Jogos Paralímpicos, algo que não pôde ainda concretizar devido a especificidades das regras para os portadores de Síndrome de Down.
Também a história de Cristina Gonçalves é marcada pela determinação e pela alegria contagiante. Portadora de paralisia cerebral, encontrou no boccia uma forma de afirmação pessoal e desportiva. Cristina foi ouro nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004 e voltou a ser, 20 anos depois, em Paris.
Treina três vezes por semana, com grande dedicação e disciplina. Recentemente, acrescentou uma nova paixão: o futebol em cadeira de rodas, ampliando o seu leque de experiências desportivas.
A história de Miguel Vieira é também marcada pela coragem e pela capacidade de adaptação. Ficou cego aos 12 anos, mas nunca deixou que essa condição o impedisse de perseguir os seus sonhos. Hoje, é atleta paralímpico de judo e colaborador da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (na Valor T), onde continua a inspirar colegas e comunidade.
Pai de três filhos, treina todos os dias, mas reconhece que a conciliação entre tudo o que faz não é fácil, enfrentando obstáculos que vão além da competição. Nos ginásios tradicionais, por exemplo, como o do Jamor, a falta de adaptações obriga-o a demorar quase o dobro do tempo em treinos comparado com atletas sem deficiência.
Mas Miguel recusa a ideia de “anormalidade” no desporto, até porque se vê como um atleta “normal”. Para ele, cada atleta tem as suas limitações e barreiras, sendo que os paralímpicos enfrentam desafios acrescidos que exigem maior resiliência e criatividade.
Ainda assim, sublinha que o esforço dos paralímpicos é muitas vezes invisível. A sua presença na conferência foi um lembrete de que a inclusão passa também por criar condições reais para que todos possam treinar e competir em igualdade.
A fechar o painel de intervenções esteve Jorge Pina. Ex-campeão de boxe, cresceu num bairro social problemático, onde o desporto foi a sua salvação. Durante um treino, perdeu a visão, mas nunca deixou de lutar. Reinventou-se e encontrou novas formas de dar sentido à sua experiência.
Foi campeão da Europa e do mundo em boxe, reconhecido pela sua força e talento. A cegueira não o afastou do desporto, mas levou-o a procurar novas formas de contribuir para a sociedade, “para tentar retribuir o que recebeu.” Para isso, decidiu criar iniciativas em bairros desfavorecidos. Fundou a Associação Jorge Pina, que promove a inclusão através do desporto e da formação. Depois de bater a muitas portas, conseguiu um espaço, em Chelas, com 1700 m², que transformou num ginásio multifuncional, com várias valências e um espaço de formação, tornando-se um polo de oportunidades para jovens e pessoas com deficiência.
A conferência contou também com a presença, em vídeo, da jovem Marta Paço, cega, campeã mundial de surf adaptado, que falou sobre como o surf adaptado mudou a sua vida e lhe trouxe um passado, um presente e, espera, um futuro.
A manhã terminou com um momento musical do atelier “Dá-me Música”, iniciativa do Centro de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian da SCML, em parceria com a Escola Profissional de Imagem. Uma das músicas apresentadas, “Cristina Loba Gonçalves”, foi dedicada à atleta após a sua vitória em 2024, celebrando em notas e palavras o poder transformador do desporto.
A conferência “Mais que Atletas” foi uma das iniciativas que integraram o programa da Misericórdia de Lisboa para assinalar o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. O encontro destacou o papel do desporto na promoção da inclusão e da autonomia. Entre testemunhos pessoais e momentos culturais, ficou patente o compromisso da instituição em reforçar a participação plena das pessoas com deficiência na sociedade, mas não só: ouviram-se histórias pessoais e conquistas desportivas que mostraram que a verdadeira mensagem é a força em acreditar que todos têm lugar e voz numa sociedade inclusiva.