Segundo Joana, “é sobretudo a população mais envelhecida que sentimos mais sozinha”. O bairro de Campo de Ourique, com uma realidade social heterogénea, revela contrastes: há clientes que, tendo condições económicas, recorrem a cuidadores particulares e a serviços pagos; mas há também uma franja significativa de idosos que vivem sozinhos, em casas onde a intimidade é guardada com reserva. Nesses casos, a aproximação exige sensibilidade e cuidado, procurando abrir espaço para o diálogo e, sempre que necessário, encaminhar para o Projeto RADAR.
Já houve situações em que o alerta chegou de forma inesperada. Vasco recorda um episódio: uma senhora ligou para a farmácia, dizendo que não tinha dinheiro para a medicação e profundamente aflita. O funcionário que atendeu a chamada percebeu de imediato a gravidade do caso, o que levou à referenciação para o RADAR. “Sentimos que a pessoa ficou agradecida. Isto já foi há mais de dois anos, mas ficou-nos na memória”, recorda.
Desde 2019, a Farmácia Linaida integra o projeto. Vasco admite que, no início, não compreenderam plenamente a sua importância. “Quando nos foi apresentado, não valorizámos tanto. Só mais tarde, com a prática e o contacto direto com a equipa do RADAR, percebemos o enorme impacto deste trabalho.”
Para Joana, o desafio é também manter vivas as ações de rua, realizadas em parceria com a unidade móvel. Testes de tensão arterial, medições de glicemia, avaliações nutricionais ou simplesmente a partilha de informação sobre suplementos alimentares funcionam como portas de entrada para conversar com idosos que, de outra forma, não se aproximariam. E Vasco acrescenta: “Apesar do esforço que implica para a equipa, acreditamos que faz todo o sentido libertar alguém da farmácia para estar presente nestas ações. No fundo, somos uma farmácia de bairro e temos de estar preocupados com o bem-estar da nossa comunidade”, sublinha.

Ângela, mediadora do RADAR na freguesia, reforça esta visão: “A presença da farmácia é fundamental. Os utentes confiam no seu farmacêutico, aproximam-se com naturalidade, e muitas vezes é aí que se dá o primeiro contacto com o projeto. Para nós, esta colaboração é uma mais-valia enorme.”
A confiança é, de resto, um pilar essencial. Vasco lembra um estudo que apontava o farmacêutico como uma das profissões em que os portugueses mais acreditam, a par de bombeiros e pilotos de avião. “E essa credibilidade é decisiva para o RADAR chegar a mais pessoas.”
Apesar do caminho já percorrido, tanto a equipa da farmácia como os mediadores reconhecem que há ainda desafios pela frente: a escassez de recursos, a dificuldade em mobilizar outras farmácias para determinadas acções, como os rastreios, ou a necessidade de alargar o projeto para fora de Lisboa. Mas a convicção é clara: quanto mais agentes locais se envolverem, maior será o impacto.
No final, Joana deixa uma mensagem simples e firme: “Connosco podem sempre contar. Estaremos sempre disponíveis para ‘ir’.”
Hoje, Campo de Ourique conta com 266 radares ativos. E cada gesto de proximidade, cada conversa ao balcão ou na rua, continua a ser uma oportunidade de fazer a diferença na vida de quem mais precisa.
