Troca de identidades, reconstruções, mudanças de local. A história da Igreja da Conceição Velha está repleta de artifícios, como se fossem pequenas e sinuosas ruas que funcionam como um velho labirinto que, até hoje, ainda engana os mais distraídos.
Partamos de uma premissa forte e sem equívocos: a Igreja da Conceição Velha foi a primeira sede construída de raiz para acolher a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Mas aqui surgem as primeiras interrogações: não estaremos a confundi-la com a Igreja da Misericórdia? Se foi construída em 1534, como é que várias décadas antes Vasco da Gama e Álvares Cabral pediram a melhor das sortes aos pés de Nossa Senhora do Restelo, imagem ali albergada, antes de partirem para o mundo desconhecido? E qual a razão da qualificação “Velha” para esta Igreja nomeada “da Conceição”?
Comecemos, naturalmente, pelo princípio. Apesar de estar situada na Rua da Alfândega, a história da Igreja da Conceição Velha começou noutro local: em Belém.
As já referidas súplicas dos navegadores portugueses a Nossa Senhora do Restelo foram, efetivamente, uma realidade, mas aconteceram quando esta imagem quinhentista figurava na Ermida da Ordem dos Freires de Cristo. As orações foram ouvidas, pois os Descobrimentos tiveram sucesso e alteraram a face do mundo. E, para assinalar o êxito, em 1502 D. Manuel I ordenou a construção de uma obra monumental no lugar da Ermida: o Mosteiro dos Jerónimos.
Esta decisão obrigou à deslocação dos freires para outro local, que estes encontraram numa extinta sinagoga localizada onde hoje se cruzam das ruas dos Douradores e da Conceição. Assim nascia a Igreja da Conceição. Todavia, em 1682 outro templo foi mandado erigir na Rua dos Ferros e o nome que lhe foi dado foi… exatamente o mesmo. Portanto, para diferenciação, a igreja original, casa dos freires, passou a ostentar o nome de Igreja da Conceição Velha.
A utilidade do adjetivo não durou, porém, uma centena de anos. Afrontadas pelas idades distintas, as duas Igrejas da Conceição, que nasceram distantes no tempo, tiveram ironicamente o seu fim no mesmo instante, a 1 de novembro de 1755, data do infame terramoto que desfigurou Lisboa. Dos dois templos pouco ou nada sobrou que motivasse uma dispendiosa reconstrução. Conceições, Velha e Nova, foram apagadas do mapa.
200 anos antes
Voltemos atrás no tempo: estamos de regresso ao início do Século XVI e a Misericórdia de Lisboa crescia de dia para dia. Com uma missão cada vez mais abrangente, a instituição criada por D. Leonor rapidamente precisou de novas instalações e D. Manuel I encarregou-se do assunto. Foi então erigida na atual Rua da Alfândega a Igreja da Misericórdia, um imponente templo, primo direito dos Jerónimos, como provava a riqueza manuelina que mostrou na sua abertura em 1534. Estava construída a primeira sede feita de raiz para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
De grandes proporções, este templo era três vezes maior do que aquele que podemos visitar nos dias de hoje e prova disso é que a porta que hoje é a principal era ‘apenas’ uma entrada lateral da igreja original.
Mas a força da natureza foi implacável. Como a Conceição Velha e sua irmã mais nova, também a Igreja da Misericórdia tombou em 1755. Após mais de dois séculos ali instalada, a Santa Casa foi obrigada a procurar novo poiso, que viria a encontrar em São Roque, para onde levou o nome da Igreja da Misericórdia.
Na Ribeira restavam apenas a tal porta lateral e uma capela, mas foi o suficiente para que o templo entrasse no plano de reconstrução da cidade, embora sem as dimensões de outros tempos. Assim, em 1770 deu-se a reconstrução, agora com orientação norte-sul, e a porta lateral passou a ser a principal. A capela também ganhou esse estatuto, num projeto do arquiteto pombalino Francisco António Ferreira, com a colaboração de Honorato José Correia.
Qual sina maldita, novamente desprovidos de casa, os freires da Ordem de Cristo transferiram-se desta feita para a igreja reconstruída e com eles levaram o nome com que batizaram o novo edifício: Igreja da Conceição Velha.
De cara lavada no Séc. XXI
Tornada monumento nacional em 1910, a igreja foi recentemente requalificada pela Santa Casa, num investimento de mais de um milhão de euros. A portal manuelina continua a ser o seu grande cartão de visita, onde podem ser admiradas as figuras de Nossa Senhora da Misericórdia, do rei D. Manuel I, da Rainha D. Leonor e do Papa Leão X.
No interior, para além de várias imagens entre as quais a de Nossa Senhora do Restelo, destaque para o teto em estuque pintado, com um baixo-relevo da autoria de Félix da Rocha, com o Triunfo de Nossa Senhora da Conceição. Nos altares laterais podem ser observadas, por exemplo, pinturas de Nossa Senhora da Piedade e São Miguel Arcanjo, ambas de Bruno José do Vale, a Última Ceia, de Joaquim Manuel da Rocha ou a Nossa Senhora da Pureza, de Joana do Salitre.