Desde que foi fundada, em 1498, a Misericórdia de Lisboa reuniu um vasto património histórico, artístico e documental, do qual se destacam os acervos do Museu e da Igreja de São Roque. O Museu de São Roque foi um dos primeiros museus de arte a serem criados em Portugal. Abriu ao público a 11 de janeiro de 1905, com a designação de Museu do Thesouro da Capela de São João Baptista, no edifício da antiga Casa Professa da Companhia de Jesus.
Propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Museu de São Roque guarda um dos mais importantes acervos da arte sacra nacional. Mas o que faz do Museu de São Roque uma importante referência da cultura nacional? O que é, afinal, um museu e para que serve? Para Helena Mantas, diretora do Serviço de Públicos e Desenvolvimento Cultural da Santa Casa, estas perguntas contêm em si várias questões fundamentais, “que integram um processo de tomada de consciência da relevância dos espaços museológicos na construção da nossa identidade humana, enquanto espaços que transmitem valores e objetivos”.
Sobre a função de um museu, de imediato, surgem respostas: “servem para educar, para deleite, para conservar objetos, para contar histórias”.
“Os museus assumem na sociedade contemporânea um importante papel de guardiões e construtores de memórias. Têm ainda uma função de resgate e reconciliação, essencial numa sociedade desenraizada, uniformizada, descaracterizada”, considera.
Ao longo do século XX, o Museu de São Roque foi objeto de várias remodelações, mas a transformação mais profunda aconteceu entre 2006 e 2008, permitindo ao museu duplicar a sua área de exposição permanente. Helena Mantas guia-nos nesta viagem pelos 116 anos do Museu de São Roque.
1905
Aquando da sua inauguração, era um pequeno museu que exibia uma joia do património da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: o Tesouro da Capela de São João Batista, que lhe deu o nome. A inauguração solene deste espaço foi feita na presença do casal real, D. Carlos e D. Amélia, ato que demonstrava a relevância da coleção e conferia ao museu um elevado estatuto. Era um espaço solene que atraía fundamentalmente visitantes com elevados níveis de formação.
1920 a 1929
O final da década marca uma viragem na orientação política nacional, na sequência do golpe militar de 28 de maio de 1926, que pôs fim à I República e conduziu o país a um regime ditatorial, antiparlamentar e corporativo, que vingaria quase cinco décadas.
A criação da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, em 1929, veio inaugurar uma época de intenso restauro monumental que deixou marcas visíveis no património português, de Norte a Sul do país, em particular nos monumentos que podiam ilustrar uma narrativa de um Portugal antigo e transcontinental. O património foi usado como uma arma de propaganda do regime e de transmissão dos seus valores. E o que acontece ao Museu do Thesouro da Capela de São João Batista neste contexto? Desaparece e dá lugar ao Museu de Arte Sacra de São Roque.
1929 a 1940
A área de exposição do museu foi ampliada com a criação de duas novas salas, que permitiram a exibição de um conjunto mais diversificado de obras de arte. Documentação do início da década de 1940, conservada no Arquivo Histórico da Santa Casa, permite saber que o museu era considerado um complemento da igreja.
1960
Surge uma nova geração de artistas e profissionais da área da cultura e do património em Portugal, que se batia por um país mais moderno e democrático e que contestava o alheamento que Portugal mantinha face às grandes mudanças sociais e políticas que se estavam a operar a nível internacional.
1968
O museu reabre ao público com um novo discurso expositivo, hoje considerado um dos marcos da museologia em Portugal da década de 1960. Sob a direção de Maria João Madeira Rodrigues, o Museu é reclassificado, passando a ser considerado “de monumento” e não “de arte sacra”.
1990
Assiste-se a uma aposta na investigação e inventariação do acervo do museu, bem como na sua divulgação através de visitas guiadas dirigidas ao publico escolar. Também foi nesta década que se deu início ao processo de internacionalização do museu, com a promoção de parcerias com instituições nacionais e estrangeiras. O discurso expositivo foi alterado, ainda que mantendo como base o conceito de museu de monumento.
2006-2008
O Museu de São Roque foi objeto de uma importante remodelação, patrocinada pelo Programa Operacional da Cultura que, não alterando significativamente a essência do projeto museológico, melhorou as condições de exposição do acervo e de visita. A área de exposição aumentou, foram criadas estruturas de apoio, recuperaram-se elementos arquitetónicos que estavam tapados e reforçou-se a ligação entre Museu e Igreja.
2012
O programa de conservação da Igreja de São Roque atinge o seu ponto alto com o restauro da Capela de São João Batista, realizado em parceria com o Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) e Instituto Central per il Restauro de Roma.
Em 2020, o Museu de São Roque foi distinguido pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM), com o prémio de melhor Exposição Temporária, atribuído à exposição “Um Rei e Três Imperadores: Portugal, a China e Macau ao tempo de D. João V”.
E o futuro?
Helena Mantas deseja, num futuro próximo, um Museu de São Roque capaz de procurar respostas, que abre as portas às comunidades que habitam o território vizinho e a cidade. “Um museu como um espaço de construção de uma democracia plena. Um espaço de criatividade e inovação, de reflexão e reforço do sentido crítico e não o museu tradicional que oferece respostas a um público mudo”, reforça.
Estes objetivos foram em tudo condicionados pela pandemia de Covid-19, que teve um enorme impacto na ação do Museu de São Roque: o encerramento e a limitação de visitantes obrigaram ao fecho antecipado de exposições e à suspensão de atividades, representando um decréscimo de mais de 70% dos seus visitantes.
No entanto, a diretora, Teresa Morna, frisa que o Museu de São Roque tem procurado reinventar-se, reservando algumas novidades para 2021: uma exposição no âmbito da I Bienal Internacional de Joalharia Contemporânea, um projeto de estudo e divulgação da coleção de relicários na Igreja de São Roque e sugestão de algumas leituras aos visitantes, edições que estarão disponíveis na loja do Museu e na loja online.