Quando Tiago acordou naquele dia de junho, nunca imaginou que a sua vida estaria prestes a mudar por completo. Com 38 anos, e com uma vida dentro dos padrões normais, o futuro “tinha tudo para ser risonho”. Horas depois, um Acidente Vascular Cerebral interrompeu-lhe o quotidiano e redefiniu-lhe o futuro. Hoje, quatro meses depois, Tiago está internado no CMRA, equipamento de saúde da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, onde recupera, passo a passo, a autonomia que o AVC lhe retirou.
“Lembro-me de acordar e não conseguir mexer parte do corpo. Nem falar. Era como se alguém tivesse desligado metade de mim”, recorda. “No início, pensei que nunca mais ia andar ou trabalhar. Aqui, em Alcoitão, ensinaram-me que o impossível demora apenas mais tempo”.
O caso de Tiago ilustra bem o impacto que o AVC tem, mesmo em pessoas jovens. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o AVC é uma das principais causas de morte e incapacidade no mundo, mas a maioria dos casos podem ser prevenidos com estilos de vida saudáveis.
Internado desde agosto, Tiago iniciou o seu programa de reabilitação intensiva logo após a entrada no centro. No CMRA encontrou uma equipa multidisciplinar que integra médicos, fisioterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e enfermeiros especializados em reabilitação.
“O Tiago chegou com défices significativos, mas com uma enorme motivação para recuperar”, explica Ana Falcão, enfermeira na ala do CMRA de AVD – Atividades de Vida Diárias. “A força de vontade é um fator determinante no sucesso da reabilitação. Desde o início que o Tiago se mostrou empenhado e colaborante, e isso faz toda a diferença”.
O plano terapêutico é adaptado a cada utente. As sessões diárias incluem exercícios de reeducação motora, treino de marcha, terapias da fala e ocupacionais, e atividades que simulam tarefas do dia a dia, com o objetivo de devolver a autonomia e reintegrar os utentes nas suas vidas sociais e profissionais, quando estes ainda trabalham.
“Cada pequena conquista é motivo de celebração. Desde conseguir levantar o braço até apertar os sapatos”, acrescenta a enfermeira. “É um processo exigente, mas compensador”.
Para Tiago, um dos maiores desafios tem sido recuperar a fala. “Nos primeiros dias eu pensava, mas as palavras não saíam. Era frustrante”.
O trabalho com a terapeuta da fala, Carolina Palma, tem sido fundamental nesse processo. “A reabilitação da comunicação é um dos aspetos mais sensíveis após um AVC”, explica a terapeuta. “Não se trata apenas de recuperar a linguagem. É devolver à pessoa a capacidade de expressar emoções, de se fazer ouvir”, explica.
Tiago reconhece esse progresso: “Agora já consigo manter uma pequena conversa. Falo devagar, mas falo”.
No CMRA, Tiago encontrou não apenas técnicos especializados, mas também uma comunidade. “Aqui sentimos que ninguém está sozinho. Há dias em que é difícil, mas basta olhar para o lado e ver alguém que já está mais à frente no processo para acreditar que também vamos conseguir”, diz.
As rotinas diárias das sessões de fisioterapia e terapia ocupacional criam laços fortes entre utentes e profissionais. “O laço que criamos com os médicos é muito importante”, destaca o jovem, frisando que “toda a equipa nos trata com respeito e carinho. Não somos apenas doentes, somos pessoas com histórias, e eles ajudam-nos a acreditar que ainda há muito para viver”.
Aos poucos, Tiago recupera a mobilidade e a confiança. Já consegue levantar-se, fazer pequenas tarefas e recupera lentamente a mobilidade na parte esquerda do corpo, a que foi mais fustigada com o AVC. “Cada passo é uma vitória. Sei que o caminho é longo, mas não estou sozinho”, afirma.
O objetivo é que, após a alta, continue a reabilitação em regime ambulatório e possa, gradualmente, retomar a vida pessoal e familiar. “Quero voltar a jogar Playstation mas, por agora, quero apenas conseguir estar bem e ter a minha família perto de mim”.
Para a equipa do CMRA, histórias como a de Tiago são o melhor reflexo da missão da instituição, de conseguirem reabilitar e de transformar os infortúnios em novas vidas. E é esse o espírito que se celebra neste Dia Mundial do AVC.
AVC — Reconhecer, Agir e Prevenir
O Acidente Vascular Cerebral ocorre quando o fornecimento de sangue ao cérebro é interrompido, causando a morte de células cerebrais. Pode resultar de uma obstrução de um vaso sanguíneo (AVC isquémico) ou da rutura de uma artéria cerebral (AVC hemorrágico).
Entre os principais fatores de risco encontram-se a hipertensão arterial, o colesterol elevado, a diabetes, o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, o sedentarismo associado a uma alimentação desequilibrada, a obesidade, o stress prolongado e o histórico familiar de AVC.A
prevenção passa, sobretudo, pela adoção de um estilo de vida saudável. Manter uma rotina regular de atividade física, ter uma alimentação equilibrada e pobre em sal e gorduras saturadas, controlar a tensão arterial e o colesterol através de check-ups regulares e seguir as recomendações médicas, são medidas essenciais. É também importante evitar o consumo de tabaco e álcool e garantir um descanso adequado.
Reconhecer rapidamente os sinais de um AVC pode salvar vidas. A face pode ficar assimétrica de forma súbita, a força pode faltar num braço, numa perna ou provocar perda de equilíbrio, a fala pode ficar estranha ou incompreensível, pode surgir falta de visão súbita num ou em ambos os olhos. Uma forte dor de cabeça, intensa e diferente do habitual pode também ser um sinal de alerta.