A Sala de Extrações da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) recebeu esta quarta-feira, 30 de outubro, o primeiro Seminário sobre Autonomia de Vida para Jovens, organizado pela Direção de Infância, Juventude e Família (DIJF) da SCML.
A iniciativa marcou as duas décadas de atuação da instituição no apoio à transição dos jovens para a vida adulta independente, com a abertura pioneira da Casa da Alameda, em 2004; uma resposta que se tornou uma referência nacional na promoção da autonomia juvenil, sendo que desde então diversas metodologias foram aprimoradas, resultando em histórias de sucesso e laços duradouros entre os jovens e seus técnicos de referência, o que, aliás, pôde ser testemunhado durante o seminário.
O evento contou com as presenças do Provedor, Paulo Sousa, e da Vice-Provedora, Rita Prates, para além de cerca de 170 participantes, entre técnicos especializados, jovens atendidos pelos serviços da Direção e representantes de parceiros institucionais.
Na abertura do encontro foi possível ouvir uma mensagem gravada da Secretária de Estado da Ação Social e Inclusão, Clara Marques Mendes, que elogiou a Santa Casa pela realização do seminário e disse acreditar ser possível, “em conjunto (…) encontrar os melhores caminhos e a melhor forma de desenho de políticas públicas, tendo como base esta troca de saberes, de experiências e de boas práticas”.
Na sua intervenção, o Provedor fez questão de ressalvar também a importância do encontro: “Decorridos 20 anos da criação do primeiro apartamento de autonomia para jovens, desenvolvido pela Casa da Alameda, a SCML leva hoje a cabo este primeiro seminário sobre autonomia de vida para jovens com medidas de promoção e proteção. Neste âmbito, partimos de uma perspetiva histórica que nos traz de 2004 a 2024, num percurso que pode hoje ser visto pelos inúmeros jovens apoiados nesses processos, e que nos permite perceber que, seguramente, o caminho que trilhámos valeu a pena.”
Paulo Sousa não tem dúvidas de que “os apartamentos de autonomia são muito mais do que um teto. Proporcionam um ambiente seguro e estruturado, onde as pessoas podem começar a reescrever as suas histórias de vida. Enquanto resposta social, as casas destinam-se a apoiar a transição para a vida independente, de jovens dos 15 aos 25 anos de idade, que demonstrem competências pessoais, e específicas, ajustada à sua realidade de vida. Esta aposta da Santa Casa tem-se revelado um sucesso e tem permitido, na prática, sustentar um sistema de promoção e proteção, neste sentido de criar níveis de autonomia diferentes, para diferentes crianças e jovens”.
O Provedor terminou com um agradecimento “especial às equipas da Santa Casa, que demonstram todos os dias este nosso compromisso de procurar as melhores respostas sociais. A todos, muito obrigado por estarem connosco.”
As experiências contadas na primeira pessoa
O seminário promoveu a troca de conhecimentos e metodologias bem-sucedidas, que têm transformado a vida de jovens ao longo dos anos, mas também das experiências vividas pelos protagonistas desta resposta de desinstitucionalização.
Pedro Freire, atualmente com 37 anos, foi o primeiro jovem na Casa da Alameda. Chegou lá com 16 anos e, na altura, viu aquela como uma “oportunidade de crescer um bocadinho mais rápido.
A Casa de Autonomia deu-me a companhia de três colegas, todos nós com características completamente diferentes, mas éramos como irmãos. Deu-me autonomia para gerir o meu orçamento, o que era realmente estranho na altura, e deu-me a oportunidade de gerir o dia a dia, ter de cozinhar, ter de acordar de manhã e garantir que tinha o pequeno-almoço, experimentar a gestão de um calendário de quando ir às compras e de pagar as contas. No fundo, experienciar uma vida mais adulta, mas numa fase um pouco mais nova”.
Pedro lembrou a primeira vez que teve de cozinhar arroz: “Foi uma experiência de crescimento, porque o arroz cresceu”, contou entre risos. “Foi um pacote de arroz inteiro para três pessoas…” E explicou: “A experiência de cozinhar foi algo marcante. Aprendíamos a cozinhar um prato – frango guisado, por exemplo –, e comíamos frango guisado durante um mês”.
“Foi uma evolução, uma experiência de crescimento. Eu tive espaço para fazer asneiras e fiz algumas coisas com 17 anos que só se fazem com 13 ou 14 anos, mas eu não tinha tido espaço ‘lá atrás’. Não foi um crescimento acelerado, mas uma aprendizagem acelerada. Tive de aprender um conjunto de tarefas que tinha de fazer para que, quando chegasse o momento de ser adulto, tivesse parte delas já muito adquirida”, explicou.
O jovem não tem dúvidas: “Hoje em dia, acho que foi uma sorte e a melhor coisa que me podia ter acontecido”.
Desde 2004, passaram pelos apartamentos centenas de jovens, muitos dos quais ainda mantêm laços de confiança e apoio com os técnicos da SCML. Este modelo de acompanhamento próximo tem sido um diferencial que coloca a SCML como uma referência nacional em políticas de apoio à autonomia juvenil, como foi possível ouvir, em discurso direto, por parte de alguns desses jovens presentes no encontro, que partilharam as suas experiências e o impacto que estas casas tiveram nas suas vidas, quando eram ainda muito novos.
Durante o dia, foi ainda possível ouvir em que consistem as várias respostas de autonomia da Santa Casa, desde o Apartamento de Autonomia; o Apartamento de Pré Autonomia Migrantes; a Casa de Autonomia e Supervisão Intensiva; o Centro de Capacitação da Boavista; o Centro de Capacitação D. Carlos I; as Residências Autónomas; e a Equipa de Integração Comunitária.”
Estes apartamentos, concebidos para proporcionar um ambiente seguro e de suporte, têm-se mostrado eficazes para preparar os jovens para desafios e responsabilidades que a vida adulta impõe.
Discussões para o futuro: novos caminhos e parcerias
O encontro encerrou com a intervenção da Vice-Provedora da Santa Casa, que fez questão de agradecer à equipa da Direção da Infância e Juventude pelo trabalho que todos os dias desenvolve em prol das crianças e jovens que estão sob responsabilidade da instituição. “Tenho observado com agrado o vosso otimismo e inconformismo e a crença de que não existem impossíveis. Partilho dos mesmos sentimentos”, afirmou Rita Prates, reiterando: “Afirmo, por isso, de forma clara e convicta, que todos os nossos parceiros podem contar com a nossa instituição neste investimento da desinstitucionalização. São os jovens que nos movem a trabalhar todos os dias, sempre pelas boas causas”.