A atriz e rosto da 15ª edição do MOTELX, Sónia Balacó, anunciava: “O filme vencedor destaca-se de forma impressionante, com a sua cinematografia etérea e com uma escrita e realização que revelam confiança e profundidade”. Todas as referências proferidas dizem respeito ao filme “O Nosso Reino”, de Luís Costa, que venceu o Prémio Melhor Curta de Terror Portuguesa 2021. Este galardão, entregue desde 2009 pelo MOTELX, contou, pela primeira vez, com o apoio da Santa Casa, numa clara aposta da instituição na revelação de novos talentos do emergente cinema de terror nacional.
O jovem realizador jamais imaginou estar entre os nomeados. Mais surreal, ainda, é o facto de ter sido premiado com um filme que o próprio não encaixa no universo do terror. Mas o feedback do público e o excelente enquadramento da película no contexto do festival acabou por revelar que “O Nosso Reino” foi uma excelente aposta do MOTELX.
O filme nasce de uma vontade de querer transformar um livro com o mesmo nome, do escritor Valter Hugo Mãe, num objeto cinematográfico. Luís Costa nunca teve pretensão de fazer uma adaptação no sentido tradicional da palavra. Queria fazer um filme que respeitasse o universo, as personagens, o ambiente e o peso que sentia nas palavras de Valter Hugo Mãe. Era mais “um género de roubo” das personagens, do universo e tentar transformar aquilo numa espécie de poema visual, “mas não fazer uma adaptação no sentido de replicar” momentos ou ações.
Depois do sucesso do filme “O Nosso Reino”, Luís Costa prepara-se para avançar com mais uma produção, prevista para novembro deste ano. Quase certo é que o prémio monetário de cinco mil euros entregue pela Misericórdia de Lisboa poderá ser aplicado numa futura obra. “Obrigado à Santa Casa, pois o prémio é ‘bem jeitoso’, e talvez possa fazer parte de um próximo filme. Todo o circuito financeiro que nós realizadores temos é sempre reaplicado a novos projetos. É a nossa forma de tornar os filmes possíveis”, revela.
A história repete-se ao longo dos anos: “É muito pouco dinheiro para demasiada gente” que trabalha em cinema. Este prémio, além do valor monetário “que é obvio que ajuda”, é quase um reforço na resiliência de quem torna o cinema possível. “Fazer filmes não é a coisa mais fácil que existe. Como é obvio, um prémio deste valor é sempre um reforço muito positivo na nossa produção”, refere Luís Costa.
A parceria cultural que tornou tudo possível
“Trazer o terror para Lisboa” não é tarefa fácil. Para a produção do MOTELX, 2021 foi um ano em tudo semelhante a 2020. O codiretor, Pedro Souto, lembra que tornar a 15ª edição do festival de cinema possível foi um “grande desafio para todos”. O foco principal estava em manter o nível a que o público estava habituado, mas fazê-lo ultrapassando todos os obstáculos impostos pela pandemia.
Na reta final de mais uma edição, Pedro Souto afirma convicto que “foi uma prova superada”. Não só o público do ano passado foi ultrapassado como muitas das sessões estiveram esgotadas, como foi o caso das exibições do “Lobo Mau”, onde estiveram presentes 36 jovens apoiados pela Misericórdia de Lisboa. Foram dez dias de partilha de medo, que começou no dia 2 de setembro, na Biblioteca de Alcântara. “Tivemos um warm-up excelente. Foi muito importante para nós manter estes momentos e manter esta parceria cultural diversificada com a Santa Casa”, explica.
Nesta caminhada, a Santa Casa foi insubstituível. Para Pedro Souto, ter um parceiro cultural como a Misericórdia de Lisboa associado a um dos grandes momentos do festival “foi imprescindível”, porque sente que “juntos vamos potenciar ainda mais este galardão”. O Prémio Melhor Curta de Terror Portuguesa, que neste momento é o prémio monetário mais alto em Portugal, é entregue desde 2009 -o festival começou em 2007- e “a diferença foi do dia para a noite”. Com o passar dos anos, existiu um aumento não só na quantidade das curtas a concurso, mas também na qualidade das mesmas. Além disso, através do apoio da Misericórdia de Lisboa, o MOTELX conseguiu apostar em novas propostas, incluindo na programação do festival outro tipo de artistas, nomeadamente de artes performativas.
A aposta da Santa Casa na cultura e no talento nacional em tudo se relaciona com um dos principais objetivos do MOTELX: ser um palco privilegiado para jovens artistas. A produção de cinema de terror em Portugal é muito reduzida, mas tende a aumentar. A grande maioria diz respeito a filmes de formato curto, amadores e produzidos com orçamentos muito reduzidos. O exemplo da produção de Luís Costa, “O Nosso Reino”, é uma película que Pedro Souto classifica de “mais profissional e mais estruturada”. Mas é também esta variedade e esta espécie de diálogo entre o profissional e o amador que o MOTELX quer continuar a proporcionar ao público. Para já, certo é que o terror regressa a Lisboa em 2022, de 6 a 12 de setembro.