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“Tudo é mais difícil” para elas. As mulheres requerentes de asilo que batem à porta da Santa Casa

“Tudo é mais difícil” para elas. As mulheres requerentes de asilo que batem à porta da Santa Casa

Na semana em que se assinala o Dia Internacional da Mulher, a Misericórdia de Lisboa apresenta duas entrevistas com mulheres que atuam em diferentes áreas da Santa Casa e que nos falam das dificuldades de outras mulheres. Ana Sofia Branco é a segunda convidada.

Ação social

Depois da entrevista com a diretora da Casa do Impacto, Inês Sequeira, sobre igualdade de género e empreendedorismo social, a próxima conversa é com Ana Sofia Branco, assistente social e coordenadora da Equipa de Acolhimento dos Requerentes de Asilo e Recolocados, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

E que apoio oferece a Misericórdia de Lisboa aos requerentes de asilo? O objetivo é não deixar ninguém para trás. Enquanto o pedido de proteção internacional estiver a decorrer nos tribunais nacionais, a Santa Casa tem a obrigação de salvaguardar o acompanhamento ao nível social, prestando um apoio financeiro que garanta as necessidades de subsistência.

Esta resposta da Misericórdia de Lisboa foi constituída em maio de 2020, mas o trabalho da Santa Casa com a população requerente de asilo não começa aqui. É um compromisso antigo, que ganhou relevância, sobretudo, em 2015, com a crise migratória na Síria e com o consecutivo aumento de pedidos espontâneos de asilo na Europa.

Só em 2020, 1276 pessoas contaram com este apoio da Santa Casa, sendo que 266 destes pedidos foram feitos por pessoas do género feminino: 172 maiores de 18 anos e 94 crianças. A maioria é oriunda de Angola, da Síria e da República Democrática do Congo.

Da saída à chegada, o trajeto é mais doloroso para as mulheres

Ana Sofia Branco revela que, “mundialmente, o conhecimento é de que as mulheres estão em maior número para pedir asilo. Difícil é perceber se o número de mulheres que sai do país de origem é superior ao número de mulheres que chega ao país de destino. A coordenadora acredita que a meio caminho, numa das etapas desta travessia, “muitas delas acabam por ser levadas ou para redes de tráfico humano ou de prostituição”.

“Todo o caminho até chegar à Europa é um caminho onde há um duplo risco. Se elas saem muitas vezes para se protegerem de situações de exploração e de abuso físico e sexual, quando iniciam este processo de saída do seu país de origem têm aqui uma dupla sujeição a situações de violência. Todo este processo migratório acarreta riscos para a integridade física e sexual da mulher”, explica Ana Sofia Branco, alertando que “a decisão de sair do país de origem é sempre violenta”.

A garantia de que chegam a Portugal são e salvas é inexistente. O sucesso da travessia está dependente de vários fatores como, por exemplo, da situação familiar: se vêm sozinhas, se são famílias monoparentais femininas ou se vêm integradas num agregado familiar.

As políticas de asilo têm em conta o género?

No caso português a política de asilo ainda não tem espelhadas as especificidades das questões relacionadas com o género. Mas Portugal é apenas um exemplo numa Europa onde esta distinção é praticamente inexistente. Os únicos países europeus que adotaram uma regulamentação específica sobre esta matéria do asilo e as questões de género foram a Suécia e Inglaterra. Deste modo, a integração de uma perspetiva de género nas políticas de asilo é ainda muito reduzida.

Certo é que mulheres requerentes de asilo têm dificuldades próprias e necessidades específicas de proteção quando comparadas com homens na mesma situação. Prova disso é, por exemplo, os processos para atribuição de um título de residência, que obrigam as pessoas a fazerem prova daquilo que alegam. Se por um lado fazer prova de que se foge de uma guerra “é mais fácil”, por outro fazer prova de que fugiu porque foi vítima de agressão física ou de violência sexual implica muitas vezes mostrar marcas dessa agressão. Para Ana Sofia Branco isto “é uma dupla violência”, um “constrangimento para mulher”. Cruel pode também ser a integração numa nova sociedade e o confronto com uma nova realidade.

“Nós, enquanto sociedade ocidental, também esperamos da mulher refugiada um papel mais participativo do que muitas vezes elas querem ou estão preparadas para o fazer. As entidades dizem que a mulher tem de ir trabalhar, mas esta mulher não tem na sua cultura, na sua trajetória, na sua identidade esta função. Este não era um papel atribuído nos seus países de origem”, considera Ana Sofia Branco.

Talvez por isso seja difícil falar em integração plena. “No caso das mulheres são sempre processo mais difíceis”, mas continuam a existir casos de sucesso, ainda que não seja o expoente máximo daquilo que a Misericórdia de Lisboa considera como integração total.

Ana lembra a história de uma mulher que chegou a Portugal em 2017. Saiu da Serra Leoa para fugir a um casamento forçado. Para lá de meio caminho, em Marrocos, foi vítima de violação. De uma violência sexual resultaram dois filhos, gémeos, que esta mulher aceitou e integrou na sua nova vida, em Portugal. Até ao momento, não conseguiu a integração profissional, mas conseguiu a inclusão dos filhos em equipamentos de infância. “Isto pode não ser o expoente máximo da integração, mas é o expoente máximo da resiliência de uma mulher”, destaca Ana Sofia Branco.

 

Ouça aqui, na íntegra, a entrevista com Ana Sofia Branco, coordenadora da Equipa de Acolhimento Dos Requerentes de Asilo e Recolocados, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

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