Em maio, enquanto João Antunes folheava o jornal Correio da Manhã, escrito a letras capitais estava a oportunidade de uma vida: a Misericórdia de Lisboa anunciava a criação da Valor T. Ao ler aquele artigo, o jovem natural de Lisboa percebeu que a Santa Casa tinha acabado de criar um canal de oportunidades para que pessoas com deficiência pudessem ingressar no mercado de trabalho. “Conheci a Valor T através de um artigo publicado num jornal. Após ter lido a notícia fui à procura do site da Valor T e fiz a inscrição na plataforma”, refere.
A Valor T nasceu em plena pandemia, com o desemprego a crescer e as distâncias a aumentarem. Trata-se de um projeto com uma abordagem que não se fixa na deficiência, mas antes na pessoa, no seu talento e determinação. Para João Antunes “a criação da Valor T foi uma lufada de ar fresco” para pessoas que, tal como ele, estão em “circunstâncias complicadas”. Para este engenheiro multimédia, de 36 anos, a distrofia muscular progressiva rara provocou-lhe limitações físicas, mas também poucas expetativas de emprego. A sua, já vasta, experiência profissional permite-lhe afirmar que há uma certa marginalização por parte das entidades empregadoras, que o próprio já sentiu na pele.
“O empregador pensa logo que não temos o perfil de uma pessoa normal. Cheguei a apresentar-me numa entrevista e a pessoa disse que me dizia qualquer coisa, mas nunca mais recebi feedback dessa empresa. Submeti o currículo e fui aceite. Quando fui chamado para a entrevista é que ocorreram alguns problemas. Na altura tive receio porque já sabia que existia esse preconceito no mercado de trabalho”, revela.
Mas a Valor T quer mudar o paradigma. Este projeto da Misericórdia de Lisboa pretende unir os seus parceiros e as empresas num desafio transformador da sociedade e do mercado de trabalho. O principal objetivo é que diferença não seja um problema no acesso a oportunidades. Foi a esse trabalho “muito exigente” que a diretora da Valor T, Vanda Nunes, e restante equipa, se dedicaram nos últimos sete meses.
O sucesso da agência de empregabilidade para pessoas com deficiência cresce, dia após dia, mas só é possível graças ao apoio da Rede Colaborativa T, que agrega várias áreas da Santa Casa. Desde logo a Direção de Sistemas e Tecnologias de Informação (DISTI), que traduziu a metodologia da Valor T em plataforma, e que permite a qualquer pessoa do país efetuar o registo no site. Foi devido ao trabalho desenvolvido por esta direção que o primeiro desafio foi superado: garantir a acessibilidade da plataforma. “Este não é um trabalho só nosso. É da DISTI, mas também dos colegas da área da ação social e da saúde que foram colaborando connosco na definição da metodologia”, explica Vanda Nunes.
Sete meses a potenciar talentos
A Valor T nasceu no passado dia 1 de maio, fruto de vários meses de trabalho interno de conceção do projeto. É um processo que resulta do contributo de parceiros como o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), federações, associações e empresas. Ao longo dos sete meses de atividade, a equipa da Valor T dedicou-se à análise pormenorizada de todos os registos feitos na plataforma. Como lembra Vanda Nunes, “cada pessoa é uma pessoa, cada caso é um caso”, o que implica um trabalho à medida de cada um. Foram dias a fio a conhecer os candidatos, contabilizando já cerca de 700 entrevistas realizadas.
Logo nos meses de maio e junho, centenas de candidatos bateram à porta do projeto. João Antunes é um dos cerca de 1000 candidatos de vários locais de Portugal que já efetuaram a sua inscrição na plataforma Valor T. Cumpriu todas as fases do processo de recrutamento: registo; fase de ativação (onde o candidato se descreve e revela as suas preferências); fase de avaliação (candidato recebe um contacto telefónico da Valor T para agendamento de uma entrevista); entrevista com psicólogo; perfil do candidato divulgado na plataforma; eventual match entre o candidato e uma empresa.
E o tão desejado match aconteceu. Em janeiro de 2022, graças à Valor T, João vai iniciar uma nova aventura profissional numa consultora tecnológica, a Bee Engineering. Para trás ficam quase 11 anos de serviço numa empresa portuguesa de conteúdos digitais, que fechou portas em outubro.
Mercado de trabalho mais solidário
As empresas têm vindo a dizer “presente” à Valor T. Cerca de 120 entidades empregadoras de todo o país já efetuaram também o seu registo na plataforma. A equipa da Valor T está empenhada em ajudar as empresas a contribuírem para um mercado de trabalho mais solidário, no qual todos podem vir a ter a oportunidade de conseguir um trabalho digno.
“Estamos a tentar perceber em que fase é que as empresas estão. Precisamos de perceber quais são, ao que vêm, se já iniciaram este processo de contratação de pessoas com deficiência ou se nos procuram precisamente para começarem esse percurso. A diferença é imensa. Temos empresas que já têm experiência nesta área, mas outras que não, e, por isso, vêm até nós para iniciarem esse caminho”, realça Vanda Nunes, lembrando que, neste momento, a Valor T “está a trabalhar de forma próxima com as empresas, de modo a preparar o ano de 2022”.
Durante o mês de novembro, a Valor T apresentou a empresas mais de 20 perfis para diferentes áreas de trabalho. Agora, começaram a ser feitos os primeiros pedidos para entrevistar algumas das pessoas que lhes foram dadas a conhecer. É neste último ponto, de ligação entre candidato e empregador, que culmina o trabalho da Valor T. É quebrar barreiras no acesso ao mercado de trabalho, mobilizando as empresas para um país solidário, mais coeso e, por isso, melhor.