O dia 22 de julho de 2020, dificilmente ficará esquecido por Dariane. Foi com a sua família até ao Porto Brandão, no concelho de Almada, para se refrescar do calor que se fazia sentir. Já no fim da tarde, naquele que seria o último mergulho, o imprevisto aconteceu. A jovem, na altura com 31 anos, bateu com a cabeça ao mergulhar.
Infelizmente, o caso de Dariane não é isolado. No verão, os acidentes em atividades lúdicas aumentam e os mais temidos são os traumatismos cranianos e os traumatismos da coluna cervical resultantes de mergulhos em águas rasas.
“Eu apercebi-me logo da gravidade. Perdi imediatamente os movimentos das pernas”, recorda. Foi em desespero que chegou ao Hospital Garcia de Orta. A vida transformou-se num segundo. Mais tarde, recebeu cuidados na Liga de Amigos do Hospital Garcia de Orta. Já em abril de 2021, chegou ao Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA), da Misericórdia de Lisboa, onde iniciou um processo de reabilitação.
Reaprender a viver
“Já consigo sentar-me melhor, já consigo mexer os braços e assinar, ainda que com algumas dificuldades”, explica, acrescentando que ainda tem “um longo caminho pela frente. Não faço muitos planos, mas não quero perder a esperança. Vou-me adaptando. Vivo um dia de cada vez”.
Passou quase um ano desde o acidente. Aceitar é um processo e o tempo ajuda. Dariane não tem ilusões, sabe que é impossível voltar a andar, mas não desiste de ter uma vida digna e de melhorar através do processo de reabilitação, que é fundamental para uma adaptação adequada às novas condições de vida.
A jovem do Monte da Caparica encontra forças nos filhos, na família, nos amigos. “Não é fácil, mas tenho vida. Será uma vida diferente, mas não desisto, não posso desistir, por mim e pelos meus filhos!”. Vou ultrapassar o que me aconteceu, tenho muita força. E a vida segue!”.
Na semana que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa relança a campanha “Mergulho Seguro” com o objetivo alertar os portugueses para os perigos dos mergulhos mal calculados, Dariane sublinha que não gosta de dar conselhos a ninguém, mas alerta que “estas coisas acontecem quando menos se espera, a adrenalina faz o momento. Por isso, por favor, tenham cuidado, porque há consequências para a vida”.
“Mergulho Seguro”: sensibilizar é fundamental
A campanha “Mergulho Seguro” foi lançada, em 2013, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e pela Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia. Oito anos depois o alerta mantém-se, porque “mais vale prevenir do que remediar”. As consequências dos acidentes de mergulho são devastadoras. O Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão recebe, todos os anos, casos de jovens com lesões medulares provocadas por acidentes dentro de água.
“A consequência mais frequente de um acidente de mergulho é o traumatismo da coluna cervical, frequentemente com fratura e/ou luxação de vértebras e instalação de tetraplegia, ou seja, perda do controlo motor e da sensibilidade nos quatro membros e tronco e alterações do controlo de esfíncteres”, explica Filipa Faria, diretora do Serviço de Reabilitação de Adultos 1, do Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão.
Em Portugal, à semelhança da casuística descrita a nível internacional, os envolvidos neste tipo de acidentes são quase sempre jovens do sexo masculino com idades entre os 15 e os 30 anos. Esta é a população mais propensa a comportamentos de risco, tais como atirar-se, de cabeça, para a água sem saber qual a profundidade.
Justifica-se, portanto, na opinião da responsável, uma campanha de sensibilização direcionada a um público mais jovem. “As campanhas de sensibilização são sempre muito importantes para informar e alertar as pessoas para os perigos e eventuais consequências de um mergulho mal dado. Muitos jovens não têm consciência do que pode acontecer. Ou pensam que acontece apenas aos outros. Assim, divulgar testemunhos de pessoas jovens, como eles, que sofreram um acidente de mergulho pode ser a forma mais eficaz de sensibilizar”, defende.
“A reabilitação tem como objetivo explorar, desenvolver e potenciar as capacidades funcionais remanescentes e ajudar o indivíduo a adquirir a máxima autonomia possível, condicionada pelas sequelas neurológicas. Quase sempre, as lesões resultantes de acidentes de mergulho são lesões cervicais completas, irreversíveis. Afetam todo o corpo abaixo do nível de lesão, com graves repercussões na função motora, sensitiva e também no controlo de esfíncteres. O programa de reabilitação é estabelecido de forma individual, tendo em conta o tipo de lesão e as caraterísticas e necessidades daquela pessoa”, explica Filipa Faria.
“A abordagem da reabilitação é holística, não exclusivamente física mas também psicológica e social. A equipa de reabilitação, coordenada pelo médico fisiatra e por uma vasta equipa de enfermeiros de reabilitação, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, estabelece objetivos específicos, realistas e definidos no tempo. Esses objetivos são equacionados com o doente e sua família, para que sejam adequados àquela pessoa e às suas circunstâncias”, observa.
A responsável pelo Serviço de Reabilitação de Adultos 1 do CMRA considera que “a existência de uma incapacidade permanente grave, resultante de acidente de mergulho, implica quase sempre a necessidade de reconversão profissional ou de orientação vocacional/académica. Colaboramos neste processo, em articulação com a universidade ou a entidade empregadora, de forma a eliminar barreiras e a facilitar a integração do indivíduo.”
“Sendo a lesão medular uma situação crónica e podendo surgir complicações ao longo do tempo, é importante manter o acompanhamento periódico em consulta aos nossos doentes, prevenindo e fazendo a ponte sempre que necessário com outros especialidades médicas/cirúrgicas”, finalizou.