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Cinema São Jorge acolhe debate sobre o envelhecimento em contexto urbano

O evento, que mantém o propósito de estimular a discussão e reflexão em torno dos desafios da longevidade e envelhecimento, aconteceu esta quarta-feira, 15 de fevereiro, no Cinema São Jorge, em Lisboa e juntou no mesmo espaço vários especialistas nacionais e internacionais em áreas dos cuidados na terceira idade, da gerontologia, passando pela arquitetura e urbanismo.

Portugal está envelhecido. Tem sido assim de ano para ano e Lisboa não é exceção. As últimas recolhas dos censos, em 2021, comprovam o que há muito se sabe. A percentagem da população do país com mais de 65 anos é de 23,5%, enquanto a de jovens, até aos 14 anos, é de apenas 12,9%. Foi tendo estes dados em mente que no simpósio se procurou desvendar o que pode ser feito para que as cidades sejam mais inclusivas para as pessoas mais velhas e, de como as organizações estatais podem ter um papel fundamental na implementação de diretrizes e linhas orientadoras para cidades amigas de todas as idades.

A sessão de abertura do evento ficou a cargo do provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho, que nas suas primeiras palavras agradeceu “o empenho” de todos os parceiros do programa, referindo que o programa Lisboa Cidade de Todas as Idades “conseguiu antecipar aquilo que é hoje uma prioridade e uma obrigação de todas as autoridades públicas que é o de definir estratégias que abordem as questões da longevidade e do envelhecimento de uma perspetiva de enriquecimento da vida em sociedade”.

“Este simpósio é mais um passo que temos vindo a fazer para contribuir para políticas públicas sólidas, muito impregnadas na vida em sociedade, e que levem em conta esta questão do envelhecimento e da longevidade”, frisou o provedor.

Edmundo Martinho considerou ainda que o envelhecimento da população tem colocado às instituições “desafios adicionais” e que é “necessário um trabalho em rede” para que as pessoas que residem nas grandes cidades possam viver mais anos e com melhor qualidade.

Ideia partilhada pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, que através de um vídeo, salientou que a autarquia que lidera tem vindo a trabalhar com as várias intuições da capital para encontrar “respostas adequadas para problemas comuns”, dando como exemplo o Plano Local de Saúde Lisboa +65 e a gratuitidade dos transportes públicos para as pessoas com mais de 65 anos.

“Uma cidade que cuida é uma cidade que trabalha com todos, que escolhe sempre as pessoas em detrimento da ideologia. Que trabalha com todos os setores (público, privado e social) para encontrar soluções para os problemas das pessoas e sem instituições como a Santa Casa ser-nos-ia impossível concretizar esta visão de cidade”, concluiu Carlos Moedas.

Logo a seguir subiu ao palco, para a conferência inaugural do simpósio, um dos principais investigadores mundiais sobre envelhecimento urbano, o investigador principal no Manchester Urban Ageing Research Group, Christopher Phillipson, que apresentou um manifesto para cidades inclusivas, centrado em três pontos estratégicos: igualdade e diversidade; colaboração com decisores políticos e planeamento urbano.

Investigador

Para o investidor e professor da Universidade de Manchester, “o objetivo principal das cidades deve ser a melhoria da qualidade de vida dos idosos”, frisando que “uma cidade é Age Friendly se apresentar boas condições de habitação, ter serviços de qualidade disponíveis, e transportes eficientes”.

Ainda durante a manhã, a par da conferência inicial, houve lugar a uma Mesa Redonda sobre os “Grandes desafios ao Envelhecimento nas Grandes Cidades”, moderada pela jornalista Fernanda Freitas, e que contou com a participação de Alda Azevedo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Javier Yanguas, da Universitat Autònoma de Barcelona/Fundação “La Caixa”, programa Sempre Acompanhados, Paulo Machado, presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Paula Guimarães, empreendedora social e Ana Verónica Neves, do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna.

Já durante a tarde, as duas sessões incidiram sobre os desafios que se colocam à operacionalização de projetos e programas na área da longevidade e envelhecimento nas grandes cidades. A primeira sessão contou com a participação de João Afonso, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, João Marrana, da Câmara Municipal de Lisboa, Thiago Herick de Sá e Yongjie Yon, da Organização Mundial de Saúde, Alfonso Lara-Montero, diretor-executivo da Rede Social Europeia e Carla Tavares, presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa.

Na segunda foram apresentadas três experiências práticas de operacionalização de planos cidade: Lisboa, Barcelona e Porto, onde participaram Mário Rui André, coordenador da Unidade de Missão da Santa Casa, Ester Quintana, do Ayuntamiento de Barcelona, Miguel Soares, da Câmara Municipal de Lisboa e Raquel Castelo Branco, da Câmara Municipal do Porto, num painel moderado por António Fonseca, da Universidade Católica do Porto.

Simpósio

A sessão de encerramento ficou a cargo do administrador de ação social da Misericórdia de Lisboa, Sérgio Cintra e de Sofia Athayde, vereadora dos Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa.

Para Sérgio Cintra, o desafio está lançado, comentando que a par das alterações climáticas “nenhum outro fenómeno vai influenciar a sociedade no século XXI, como as alterações demográficas”.

“A transição demográfica deve-nos fazer refletir e preparar o melhor possível para os desafios futuros”, frisou o administrador, considerando que “o modo como envelhecemos está fortemente influenciado pelo modo como nos preparamos para esta etapa de vida e que os estilos de vida e o local em que vivemos tem forçosamente muito impacto”.

Já Sofia Athayde fez questão de ressalvar na sua intervenção que “Lisboa quer ser uma cidade que apoia, solidária e que permite a aproximação as gerações”, concluindo que “é necessário continuar este caminho de comprometimento com o plano de ação global para o envelhecimento saudável, da Organização Mundial de Saúde”.

Reveja o simpósio, através do canal oficial do youtube da Misericórdia de Lisboa, aqui.

“As Sereias Vivem no Espaço”: os problemas da adolescência subiram ao palco do Cinema S. Jorge

Quem sou eu? Que lugar ocupo no mundo? Estas foram as questões que serviram de inspiração para a peça “As Sereias Vivem no Espaço”, produto que resulta das vivências de 12 jovens que pertencem ao grupo terapêutico da unidade W+, da Misericórdia de Lisboa. No dia 22 de maio, o público que foi ao Festival Mental, no Cinema S. Jorge, viu dez jovens a usarem o teatro para dar voz e forma aos problemas da adolescência, a dizerem basta e a derrubarem as barreiras impostas pela sociedade. As personagens da peça definem-se pela forma como, ao longo do enredo, se soltam das caixas estereotipadas e carregadas de pressão em que vivem.

O Mental coloca a saúde mental em primeiro plano. Neste festival, fala-se claro e claramente sobre problemas. A plataforma escolhida é a cultura no seu sentido mais lato e as artes em particular, veículos extraordinários para o combate ao estigma, vergonha e falta de informação pública e geral.

E foi precisamente para informar e sensibilizar o público para as questões da adolescência que a W+ voltou a participar no Festival Mental. Sónia Santos, encenadora da peça e psicóloga da unidade W+, explica que tudo surge no seio do grupo terapêutico, através da partilha de sentimentos, de um debate sobre diferença, desigualdade de direitos e pressão social. “Com esta situação de pandemia, os adolescentes foram muito afetados com as questões da sua socialização, do seu novo lugar no mundo. ‘As Sereias Vivem no Espaço’ tem que ver com a desconstrução daquilo que é a identidade na adolescência, com a procura de novos lugares seguros e, sobretudo, com aquilo em que eles acreditam”, conta a encenadora.

Quando a cortina abre, um grupo de jovens surge inerte. “São dez sereias” que ainda não descobriram que o são. Rapidamente o palco do Cinema S. Jorge dá lugar a um recreio, onde correrias desenfreadas, saltos de alegria, brincadeiras de bate-mão e o jogo da macaca transportam o público para uma infância livre e feliz.

E, num ápice, a peça oscila, como o humor e a personalidade na adolescência, entre o quem sou eu e o quem os outros querem que eu seja. Aquilo que era um palco de alegria cheio de crianças felizes dá lugar a um clima de inércia, a um grupo resignado ao lugar que a sociedade construiu para eles. Dentro de uma caixa de estereótipos e preocupações, narram como é viver num espaço que foram forçados a ocupar. Esta caixa não lhes permite serem livres. Vivem à procura do corpo perfeito imposto pelas redes sociais, sofrem com o racismo embrulhado, com a homofobia ou com a pressão de chegar ao sucesso. No fundo, têm dificuldade em serem livres e autênticos.

“Sabias que as sereias moram no espaço? No espaço, as sereias são livres para serem quem quiserem”. Faby é a sereia que assume o papel de tirar todos, atores e público, da zona de conforto. “O meu papel é fazer com que as pessoas enxerguem que não têm que ser colocadas em nenhum lugar só porque a estereotipam. Esta sereia tem aqui uma missão super importante: tirar toda a gente da zona de conforto. É necessário ter consciência e consciencializar os outros à nossa volta. Todos estes temas têm de ser mais falados e mais aprofundados. No caso da adolescência faz com que estejamos mais preparados para enfrentar uma série de coisas no futuro”, explica.

“Na W+ posso ser eu, sem capa”

Faby, Arlete e João são alguns dos jovens que fazem parte do grupo terapêutico da W+. Arlete está nesta unidade da Misericórdia de Lisboa há cerca de cinco anos. Foi aqui que começou a “perceber que está tudo bem em estar mal”. Conheceu uma Arlete que não conhecia. Foi esta casa que lhe permitiu ser ela, “sem capas”. “A Arlete antes da W era uma jovem construída pela opinião dos outros, que se tentava encaixar naquilo que as pessoas achavam que ela era”, revela.

Para esta jovem de 23 anos, o espetáculo que apresentaram no Cinema S. Jorge é, no fundo, o espelho daquilo que é a W+: “um lugar seguro”.

João Aldeias, 18 anos, estudante de teatro, vai mais longe. Para o ator, este grupo que subiu ao palco do Festival Mental acaba por ser a voz de muitos adolescentes que vivem aprisionados nas opiniões dos outros.

“Aquilo que retratamos na peça são temas que me tocam a mim, aos meus colegas e à sociedade em geral. Estas peças fazem-nos mudar, fazem-nos sair da nossa zona de conforto. Ainda existem muitas barreiras para derrubar e o teatro pode ser um veículo para ajudar a destruir essas barreiras”, refere.

Os dez jovens que participaram no Festival Mental foram chegando de diferentes pontos: equipas de autonomia, casas de acolhimentos ou, como é o caso de João Aldeias, graças ao protocolo estabelecido com o Liceu Passos Manuel. Mas o objetivo da W+ não é fazer peças de teatro. O teatro resulta do trabalho desenvolvido pelo grupo terapêutico e do uso de técnicas psicodramáticas. A equipa da W+ que trabalha com estes jovens, com idades compreendidas entre 15 e 24 anos, desenhou uma resposta que foge ao caminho tradicional, onde o teatro é usado como mediador terapêutico para construir e desconstruir uma série de defesas psicológicas.

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