Aos 31 anos, Eduardo Marques já tem no currículo uma participação em Jogos Olímpicos. A vela é a sua paixão, mas está igualmente prestes a terminar a licenciatura em Gestão do Desporto e foi um dos bolseiros do Programa IMPULSO | Bolsas de Educação Jogos Santa Casa. As dificuldades de singrar neste desporto em Portugal, um acidente que o atirou para uma cama de hospital e a possibilidade de repetir a presença olímpica foram alguns dos temas na conversa que teve com a Santa Casa, antes de passar este Dia Olímpico, 23 de junho, da forma como mais gosta: no mar.
Como começou a paixão pela vela?
Nem me lembro da primeira vez que andei à vela! Já passávamos algumas férias em família em barcos à vela e foi-me incutido por aí. Recordo-me do primeiro treino na doca de Belém, devia ter uns oito anos… Ali à volta dos 15 anos senti que era muito bom, mas que o barco já não era ideal. Mas vivia em Portugal e pensava que nenhum desporto, sem ser futebol, ia funcionar, por isso sempre pensei fazer 18 anos e ir para a faculdade. Mas sempre fui uma pessoa que gosta de fazer as coisas à séria e não a meio gás. Eu estudava, mas no fim de semana, quando estava no barco, dava tudo o que tinha. Então, aos 18 anos, duas pessoas – o Gustavo Lima e o Luís Rocha, que mais tarde esteve comigo como treinador nos Jogos Olímpicos – disseram-me que tinha tudo para estar nos melhores do mundo. Então pensei: vamos embora! Ou é agora que tento, ou nunca o conseguirei!
“CURSO? FUI EMPURRADÍSSIMO PELA MÃE! SOU MAU A ESTUDAR, MAS BOM A MATEMÁTICA”
E como apareceu o curso pelo meio?
Empurradíssimo pela mãe! Estava a tirar gestão na NOVA, mas a conciliação era difícil, com treinos, estágios, campeonatos… Acabei por desistir e estive um ano sem estudar. Ainda me inscrevi em Desporto, mas não gostei e depois acabou por surgir este curso. Sou mau a estudar, mas bom a matemática! Estou quase a terminar, faltam-me duas cadeiras, e depois quero tirar uma pós-graduação.
Voltando à vela, estreou-se nos Jogos Olímpicos em 2024, em Paris. Como correu a preparação e a prestação na prova?
Ir aos Jogos não foi uma surpresa, era claro para mim. Era o melhor português a competir, com muito respeito pelos meus adversários, que alguns são grandes amigos meus, e as coisas começaram a alinhar-se. Comecei a ser convidado para treinar noutros sítios, o meu nível começou a subir e aconteceu. Ia com expectativas um bocadinho altas e nunca tinha sentido nervos a navegar à vela, mas nos Jogos senti durante a regata por ser o culminar de muita coisa. Parecia que ia para um ambiente de guerra: lembro-me de estar a despedir-me do meu pai e sentia que ia levar comigo todo este percurso e tentar mostrar tudo o que passámos. Acabei em 11.º e fiquei destruidíssimo no final. As medalhas são entre os 10 primeiros, acabei por ficar mesmo à porta. Fui desclassificado na penúltima regata, para mim sem justificação. Trabalhei tanto e senti que me tiraram o tapete…
“TIVE UM ACIDENTE DE BICICLETA EM QUE QUASE MORRIA. PARTI TUDO”
Ficou com vontade de repetir uns Jogos?
Na altura pensei: nunca na vida me vou pôr num barco outra vez… Mas hoje já penso de forma um bocadinho diferente. Há sete meses tive um acidente de bicicleta em que quase morria. Parti tudo: 12 costelas, três vértebras, destruí uma delas, perfurei os pulmões… Fui para o hospital, nem conseguia andar e tinha de pedir ajuda para comer e vestir-me. Mas acabou por ser um processo rápido. Agora quero perceber primeiro se ainda consigo competir a um nível alto. Se não conseguir, nem vou tentar. Não vou aos Jogos só para dizer que fui a dois. Ou vou e sinto que consigo competir a um nível muito alto novamente, ou então não vou.
Como é um dia típico de treino de um atleta de alto rendimento na vela?
Estar no mar às 10 horas e fazer três horas de mar. Depois é preparar o barco, trocar de roupa e são 14 horas, almoçar e são 15. Fazer ginásio ou bicicleta por volta das 16 ou 17 e depois é chegar a casa e cozinhar o jantar. Este Dia Olímpico vou passá-lo a treinar. Diria que é a melhor forma!

Eduardo Marques na entrega das bolsas, com Fernando Gomes, Paulo Sousa e José Manuel Lourenço
“VIVO COMPLETAMENTE PELA BOLSA OLÍMPICA. É DIFÍCIL, MAS UM ALÍVIO”
Foi bolseiro do Programa IMPULSO | Bolsas de Educação Jogos Santa Casa pela primeira vez. Qual o impacto deste apoio na sua carreira desportiva e académica?
Muito. Primeiro, a faculdade não é barata e, segundo, acabamos por viver com 1.200 euros, que é com o que eu vivo. Na vela não temos Sporting, Benfica, grandes clubes por trás. Vivo completamente pela bolsa olímpica. Obviamente que é difícil viver com esse dinheiro, mas, na realidade, é um alívio.
Quão difícil é conciliar o alto rendimento com os estudos?
Eu diria, sinceramente, que é quase impossível estudar e praticar vela olímpica. Não há tempo! Eu estava à volta de 20 dias por mês fora do país e os outros 10 dias não eram de certeza para ir à escola. Eram para reforço de ginásio, fisioterapia e estar com família e amigos. Não há outra forma de fazê-lo sem ser assim. Não levar isto a 100 por cento é uma perda de tempo. Então como consegui? Esta história do acidente ajudou-me, porque não podia andar à vela, não podia fazer nada e agarrei-me mais aos estudos. E foi muito importante neste momento, assentou que nem uma luva.
O que é que um atleta olímpico tem, impreterivelmente, de ter? E que característica tem mesmo de ficar de fora?
Tem de ter muita força de vontade, especialmente em Portugal. Não há outra maneira. E não pode ser preguiçoso!