No Dia Internacional do Idoso, falámos com três idosos que vivem em residências assistidas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Autónomos, ativos, com mobilidade e gosto pela vida, os utentes fazem as suas vidas como se estivessem na sua própria casa. Sem tabus, dizem que a idade é apenas um número, e que o que interessa é o espírito. Maria José, Cândida e Alfredo são três exemplos de que a idade maior pode ser um sinónimo de força, atividade e juventude.
O artista e o homem das paixões
Alfredo Silva, 78 anos, residiu na Ajuda durante largos anos. Trabalhou numa fábrica de vidros e foi pintor por conta própria. Viveu uma bonita história de amor. Infelizmente, enviuvou há 20 anos. Mas o fruto dessa paixão ficou para sempre. “Sou um homem rico. Tenho duas filhas e seis netos”, conta, orgulhoso.
O utente da Santa Casa mudou-se para a residência há quatro anos. Além de não ter possibilidade de continuar na casa onde vivia, perdeu o contacto e a proximidade com a comunidade. “Sentia-me sozinho. Não tinha vida.”, lembra, justificando a razão pela qual se mudou.
As residências da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa promovem um espírito de comunidade, vizinhança e interajuda entre todos os seus residentes. Além disso, a instituição desenvolve um conjunto de atividades sociais, culturais e de lazer que incentiva a interação entre os utentes.
“Refiz a minha vida aqui. Sinto-me muito bem. Estou feliz e bem acompanhado. Tenho muitos amigos”, destaca, com um sorriso largo. Os seus dias são ocupados entre ler, ver o seu Benfica, e fazer miniaturas de casas utilizando cartão, cartolinas, embalagens, cola, tinta, entre outros materiais. Mas faz um pouco de tudo: “Limpo, lavo, passo a ferro, vou às compras, participo nas atividades, faço passeios, vou à praia, saio com os amigos”, nota.
Na altura que veio viver para a Residência Assistida, descobriu uma companheira. “Encontrei-a num bailarico na Casa do Alentejo, há quatro anos”. Uma relação que senhor Alfredo descreve como de “respeito, amor e carinho”. A mudança para a Residência Assistida e o relacionamento com a sua companheira deram-lhe “outra chama”, admite. “Tenho amor à vida. Estou velho pela idade, mas não estou velho de espírito”, remata.
A costureira autodidata
Maria José Caría, 87 anos, foi costureira e ajudante de lar na Misericórdia de Lisboa. Quando era jovem, veio de Santiago do Cacém para Lisboa à procura de uma vida melhor, como era frequente na altura. Por uma questão de saúde, aos 49 anos deixou o trabalho de costureira. “Estava a ficar com amnésia. Chegava a perder-me no bairro, do esforço de trabalhar noites e noites seguidas”. No entanto, continua a costurar quando alguém lhe pede um “jeitinho”. Em 1983, entrou para a Santa Casa para “apoiar os idosos”, algo que fez até se reformar.
A antiga funcionária da Misericórdia de Lisboa expressa-se com facilidade, não escondendo o que sente. Fala com orgulho das duas filhas e com saudade do marido. Também a dona Maria José perdeu o seu companheiro. Mas, com coragem, fintou as agruras da vida. “Vim para cá porque havia um bom lugar para a minha máquina de costura”, diz a brincar. E continua: “Entreguei a minha casa e vim de coração aberto”.
Apesar de contar com quase nove décadas, a utente da Residência Assistida Bairro Padre Cruz é uma autodidata, lê bastante e mantém um espirito invejável. Foi das primeiras pessoas a tirar um curso de comida macrobiótica, há cerca de 50 anos. Aliás, a dona Maria José defende um modo de vida em equilíbrio com o corpo, a mente e o planeta, fazendo escolhas alimentares de acordo com estes princípios.
A vida de Maria José é tudo menos calma. Apesar da sua idade, temos dificuldade em acompanhar a quantidade de histórias que quer contar, com o entusiasmo próprio de uma jovem com 18 anos. Continua a fazer arranjos de costura, lê, lava, passa a ferro, cozinha para si e para uma filha, passeia até à Pontinha, ajuda na horta, e faz as suas próprias compras. “O problema é que aqui não tenho ninguém que aguente a minha pedalada”, lamenta.
“Não me falta nada! Sou feliz aqui”. Fiz amigos. A trabalhar na máquina de costura Singer que a mãe lhe ofereceu quando tinha 15 anos, diz que “a idade não é o mais importante. É apenas um número”, finaliza.
A cuidadora tranquila
Cândida Prazeres Alves Simões, 69 anos, também veio, ainda bastante nova, de Trás-os-Montes para Lisboa. Foi auxiliar de educação e operadora de máquinas, entre outras funções. Por cá, casou e teve um filho. Há 21 anos, o marido faleceu, vítima de um acidente de viação, transformando a sua vida por completo.
Por uma questão de segurança, mudou-se para a residência da Santa Casa. “Já não me sentia segura em casa”, revela. “No equipamento da Misericórdia de Lisboa, os dias não são todos iguais, embora a pandemia tenha alterado por completo as rotinas”, observa.
“Gosto de estar aqui. Sinto-me segura. Sentia-me sozinha naquela casa. Podia gritar à vontade que ninguém me acudia, caso acontecesse alguma coisa”, acrescenta. “Nós somos uma família, ajudamo-nos umas às outras. Estou acompanhada e apoiada. Fiz amizades e construí laços importantes”, destaca ainda.
À semelhança dos seus vizinhos, a dona Cândida faz um pouco de tudo. Limpa, lava, passa a ferro, cozinha. Por falar em comida, por esta altura, já cheira a ervilhas com ovos escalfados. O almoço que a utente está a preparar.
A vida social da dona Cândida é bastante ativa, fazendo inveja boa à maioria das pessoas. Vai às compras, faz caminhadas, passeios, encontros, jogos de equipas, ginástica, refeições sociais e já viajou até à Madeira, Algarve e Bragança, através das iniciativas da Santa Casa.
“Vir para cá devolveu-me anos de vida”, admite, sublinhando que, para se ser feliz, “mais importante do que a idade são as condições de vida de cada um”.
Uma comunidade solidária
Sandra Baptista Elvas, diretora da Residência Assistida Bairro Padre Cruz, sublinha que “os residentes procuraram, na sua maioria, a residência assistida para deixarem de viver isolados e em solidão”, acrescentando que “existiam pessoas que viviam em habitações sem condições de habitabilidade ou mesmo pessoas sem habitação, havendo outros que sentiam insegurança nas suas casas”.
Residência Assistida do Bairro Padre Cruz
Inaugurada em 2017, a Residência Assistida Bairro Padre Cruz dirige-se a pessoas autónomas ou semiautónomas com capacidade para gerir as suas vidas. É uma resposta de segurança, que promove diariamente a autonomia dos residentes na sua multifuncionalidade, com o objetivo de retardar a institucionalização em lar.
A residência assistida é o mais semelhante que existe ao viver verdadeiramente na sua casa, permitindo manter a “identidade do eu”. Cerca de 90% dos residentes que vieram viver para esta resposta social já eram residentes no Bairro Padre Cruz, pelo que se encontram totalmente integrados na comunidade. A média de idade é de 75 anos, sendo que cinco residentes tem 89 anos.
A residência assistida tem 30 apartamentos, 24 individuais e seis para casais e, propositadamente, os mesmos não continham mobília, para que o utente pudesse trazer as suas mobílias de referência.