Francisca Canais e Rita Maçonaro estavam longe de imaginar que um trabalho de grupo do mestrado em Engenharia Biomédica e Biofísica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa mudaria as suas vidas. Tinham em mãos a tarefa de desenvolver um projeto com recurso a tecnologias inovadoras. Acabaram por criar a Nevaro, uma solução tecnológica para problemas de saúde mental. O objetivo das estudantes era usar o neurofeedback (atividades fisiológicas como ondas cerebrais e batimentos cardíacos) para avaliar os pacientes e, a partir de aqui, adaptar o tratamento às necessidades de cada um.
“Começámos a analisar a ansiedade e a perceber como é que as nossas ondas cerebrais reagem a determinados estímulos, como é que o nosso ritmo cardíaco acelera ou não consoante as nossas emoções”, explica a cofundadora da Nevaro, Rita Maçonaro.
O projeto ganhou forma no Hospital de Beja, onde as duas jovens aplicaram provas de conceito. Vários utentes foram usando técnicas de realidade virtual com controlo fisiológico durante sessões de psicoterapia, de modo a aumentar os seus níveis de motivação e, consequentemente, atingirem melhores resultados na terapia. Muito promissores na redução da ansiedade nos pacientes (cinco vezes mais rápida), os resultados obtidos permitiram que Rita e Francisca desenvolvessem a Nevaro, uma tecnologia que alia a potencialidade das tecnologias de medição dos sinais cerebrais, e também cardíacos, à gamificação.
A missão e inovação propostas pela Nevaro foi bem recebida na comunidade científica. Hugo Ferreira (atual cofundador desta solução digital) foi o professor responsável pela disciplina onde Rita e Francisca desenharam os primeiros rascunhos daquilo que viria a ser a Nevaro. Foi o docente que incentivou as duas jovens a irem mais além e a concorrerem a alguns concursos de empreendedorismo. A primeira competição em que marcaram presença foi em 2018, no Centro de Inovação da Faculdade de Ciências, o Teclabs, onde conquistaram o primeiro lugar.
O projeto que pinta a saúde mental de todas as cores
Rita Maçonaro e Francisca Canais trazem no telemóvel um “cérebrozinho”. É o Holi, um personal trainer de saúde mental capaz de perceber como nos sentimos e de sugerir a melhor jornada para regular a nossa saúde mental. A aplicação móvel Holi by Nevaro nasce em plena pandemia, numa altura em que Rita e Francisca começavam a obter resultados bastante promissores com a tecnologia Nevaro e a planear pilotos em maior escala. O Holi visa a autogestão da saúde mental com base em estratégias gamificadas com origem na psicologia positiva, como mood tracking, journaling, práticas de respiração e mindfulness. O Holi vem dar cara aos algoritmos, a essa nossa capacidade de perceção através dos sinais fisiológicos.
“Temos várias estratégias da psicologia positiva, que vão pegando nos sensores do telemóvel, em que em vez de precisarmos de uma banda para colocar na cabeça ou no braço, através do microfone, da câmara fotográfica, do acelerómetro, do giroscópio, nós conseguimos perceber biomarcadores da ansiedade e adaptar as experiências ao utilizador. Por exemplo, o anisómetro, o nosso termómetro da ansiedade, basta colocar o dedo na câmera, clicar no iniciar medição e, em 30 segundos, obtemos o resultado. Tendo em conta esses níveis, a app depois sugere estratégias de gestão adequadas ao estado da pessoa, até porque a saúde mental é diferente de pessoa para pessoa”, explica Francisca Canais.
O teletrabalho, a incerteza do amanhã e a gestão diária da saúde mental potenciadas pela pandemia fez a equipa Nevaro perceber que era necessário colocar mãos à obra e dar um passo atrás, “repensar as bases e reajustar a tecnologia para que funcionasse à distância”, sem que fosse necessário o contacto presencial com os pacientes. Tudo está agora materializado numa app, que, para já, está apenas disponível para empresas com mais de 250 colaboradores.
Mas aquilo que seria um passo atrás acabaria por revelar-se um sucesso. Em 2021, a Holi by Nevaro venceu a 6ª edição do Santa Casa Challenge dedicada à promoção de uma saúde de qualidade, com especial atenção aos problemas da saúde mental e às necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade. A 7ª edição do concurso promovido pela Casa do Impacto, com as candidaturas a decorrer até ao próximo dia 6 de março, é dedicada aos novos desafios na educação e no trabalho para a transição digital e ação climática.
“Vencer o Santa Casa Challenge foi um momento muito bom para nós, porque foi um reconhecimento que, além do apoio financeiro, permitiu alavancar uma série de coisas e estar aqui na Casa do Impacto, que tem um ambiente fantástico para parcerias e mentoria. Vencer este concurso também nos deu muita exposição. Acabou por nos abrir muitas portas, com muitas empresas a contactarem-nos para saberem mais sobre nós”.
O Santa Casa Challenge deu a Francisca e a Rita mais força e condições para combaterem o tabu da saúde mental. Quando partem para conferências fazem-no com um pensamento: “Ok, vamos lá tornar a saúde mental acessível a todos e normalizar isto”. Na Holi, Rita e Francisca usam muitas cores vivas: amarelo, verde, laranja. Esta é a forma que querem que a sociedade encare a saúde mental, que normalmente é vista como algo pesado, cinzento.
“Nós dizemos mesmo que todos temos um cérebro, todos temos que cuidar dele. E porque não fazê-lo bem e com positividade à mistura? A nossa função é desconstruir a temática tendo por base a ciência.”