Definir o perfil dos beneméritos do século XXI afigura-se uma tarefa tão difícil como explicar os motivos que levaram os primeiros notáveis a ceder o seu património, há alguns séculos atrás. Segundo reza a História, muitos disponibilizavam os seus proventos ao serviço da sociedade como forma de agradecimento ou de retribuição pela riqueza conquistada. Outros, procuravam simplesmente comprar o perdão dos seus pecados através das benemerências. Vários séculos passaram e hoje os motivos que estão na génese das benemerências são bem diferentes:
“Tanto temos o benemérito com um património vastíssimo, como temos aquele com um pequeno património e que, por não ter filhos ou por qualquer outra razão, decide deixar os seus bens a uma instituição à qual reconhece credibilidade. Temos também outra parte que nos procura e manifesta vontade de deixar os seus bens como forma de agradecimento por todo o apoio que receberam desta Santa Casa em momentos difíceis das suas vidas”, explica Carla Antas de Almeida, o “rosto” da Unidade de Benemerências da Santa Casa desde 2014, ano em que assumiu a direção daquele serviço e onde se mantém desde então.
Seja por agradecimento para com a instituição que os apoiou, seja pelo reconhecimento relativamente ao trabalho desenvolvido pela Santa Casa, a verdade é que a maior parte dos beneméritos procura a instituição ainda em vida. Pedem conselhos, desejam que alguém se preocupe consigo e quando transpõem as portas da Misericórdia de Lisboa “sentem-se bem recebidos”.
“É a solidão que leva muitos beneméritos a procurarem a Santa Casa. Para muitos nasce aqui uma nova família e, face à ausência de uma rede de suporte familiar, querem assegurar condições de apoio durante a idade mais avançada. São, na sua maioria, viúvos, mais do sexo feminino do que masculino e, por estarem sós, pretendem deixar esses bens à Misericórdia de Lisboa”, relata a responsável pela Unidade de Benemerências.
Nesta unidade, quem lá trabalha é periodicamente confrontado com algumas surpresas inesperadas, como o contacto de advogados ou testamenteiros que comunicam o testamento de beneméritos falecidos iniciando-se, assim, um longo e burocrático processo.
“Primeiro, apuramos o respetivo acervo hereditário e, após uma análise minuciosa do mesmo, remetemos para posterior aceitação ou repúdio da Mesa da Misericórdia”, começa por explicar Carla Antas de Almeida. Afinal, tal como em qualquer contexto familiar, a Santa Casa não herda apenas património ou quantias financeiras, mas também encargos, pelo que as situações têm de ser avaliadas. Após a aceitação, inicia-se a execução da herança propriamente dita, muitas vezes acompanhada de últimas vontades que têm se ser escrupulosamente cumpridas.