Histórias de vida e superação
Moderada pelo comunicador Francisco Dias, a conferência deu voz a atletas que transformaram barreiras em conquistas.
Com apenas 19 anos, Vicente Pereira é campeão do mundo de natação adaptada e um exemplo vivo de como o desporto pode transformar vidas. Portador de síndrome de Down, Vicente começou a nadar aos 4 anos, incentivado pela família, que sempre esteve ao seu lado.
A sua rotina exigente – treina quatro vezes por semana, sempre de manhã cedo, dividindo o esforço entre a piscina e o ginásio – não o impediu de tirar um curso de culinária, uma vez que cozinhar é outra das suas paixões.
Vicente é descrito como ultrafocado e determinado, e parte dessa força vem da família. O pai, presente na mesa-redonda, destacou o papel essencial da família no percurso do jovem: “A inclusão começa em casa. Temos é de lhes dar ferramentas. O Vicente consegue surpreender-nos todos os dias.”
Para já, um dos grandes sonhos do Vicente é chegar aos Jogos Paralímpicos, algo que não pôde ainda concretizar devido a especificidades das regras para os portadores de Síndrome de Down.
Também a história de Cristina Gonçalves é marcada pela determinação e pela alegria contagiante. Portadora de paralisia cerebral, encontrou no boccia uma forma de afirmação pessoal e desportiva. Cristina foi ouro nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004 e voltou a ser, 20 anos depois, em Paris.
Treina três vezes por semana, com grande dedicação e disciplina. Recentemente, acrescentou uma nova paixão: o futebol em cadeira de rodas, ampliando o seu leque de experiências desportivas.
A história de Miguel Vieira é também marcada pela coragem e pela capacidade de adaptação. Ficou cego aos 12 anos, mas nunca deixou que essa condição o impedisse de perseguir os seus sonhos. Hoje, é atleta paralímpico de judo e colaborador da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (na Valor T), onde continua a inspirar colegas e comunidade.
Pai de três filhos, treina todos os dias, mas reconhece que a conciliação entre tudo o que faz não é fácil, enfrentando obstáculos que vão além da competição. Nos ginásios tradicionais, por exemplo, como o do Jamor, a falta de adaptações obriga-o a demorar quase o dobro do tempo em treinos comparado com atletas sem deficiência.
Mas Miguel recusa a ideia de “anormalidade” no desporto, até porque se vê como um atleta “normal”. Para ele, cada atleta tem as suas limitações e barreiras, sendo que os paralímpicos enfrentam desafios acrescidos que exigem maior resiliência e criatividade.
Ainda assim, sublinha que o esforço dos paralímpicos é muitas vezes invisível. A sua presença na conferência foi um lembrete de que a inclusão passa também por criar condições reais para que todos possam treinar e competir em igualdade.
A fechar o painel de intervenções esteve Jorge Pina. Ex-campeão de boxe, cresceu num bairro social problemático, onde o desporto foi a sua salvação. Durante um treino, perdeu a visão, mas nunca deixou de lutar. Reinventou-se e encontrou novas formas de dar sentido à sua experiência.
Foi campeão da Europa e do mundo em boxe, reconhecido pela sua força e talento. A cegueira não o afastou do desporto, mas levou-o a procurar novas formas de contribuir para a sociedade, “para tentar retribuir o que recebeu.” Para isso, decidiu criar iniciativas em bairros desfavorecidos. Fundou a Associação Jorge Pina, que promove a inclusão através do desporto e da formação. Depois de bater a muitas portas, conseguiu um espaço, em Chelas, com 1700 m², que transformou num ginásio multifuncional, com várias valências e um espaço de formação, tornando-se um polo de oportunidades para jovens e pessoas com deficiência.
A conferência contou também com a presença, em vídeo, da jovem Marta Paço, cega, campeã mundial de surf adaptado, que falou sobre como o surf adaptado mudou a sua vida e lhe trouxe um passado, um presente e, espera, um futuro.
A manhã terminou com um momento musical do atelier “Dá-me Música”, iniciativa do Centro de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian da SCML, em parceria com a Escola Profissional de Imagem. Uma das músicas apresentadas, “Cristina Loba Gonçalves”, foi dedicada à atleta após a sua vitória em 2024, celebrando em notas e palavras o poder transformador do desporto.
A conferência “Mais que Atletas” foi uma das iniciativas que integraram o programa da Misericórdia de Lisboa para assinalar o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. O encontro destacou o papel do desporto na promoção da inclusão e da autonomia. Entre testemunhos pessoais e momentos culturais, ficou patente o compromisso da instituição em reforçar a participação plena das pessoas com deficiência na sociedade, mas não só: ouviram-se histórias pessoais e conquistas desportivas que mostraram que a verdadeira mensagem é a força em acreditar que todos têm lugar e voz numa sociedade inclusiva.