A campanha nacional “Todos Juntos Pelo Acolhimento Familiar”, criada há um ano numa parceria entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a Casa Pia de Lisboa e o Instituto da Segurança Social, foi esta quinta-feira, 20 de novembro, relançada, com uma apresentação que decorreu no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, no Dia Internacional dos Direitos das Crianças.
Sendo o Acolhimento Familiar uma medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças, foi esta a data escolhida, assinalando a aprovação da Declaração dos Direitos da Criança, em 1959, e a adoção da Convenção sobre os Direitos da Criança pelas Nações Unidas, em 1989, ambas neste mesmo dia.
Numa manhã preenchida, Clara Marques Mendes, secretária de Estado da Ação Social e da Inclusão, deu o pontapé de saída nos trabalhos, aos quais assistiu Rita Prates, Vice-Provedora da Misericórdia de Lisboa.
“Temos três entidades gestoras do Acolhimento Familiar: a Casa Pia de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o Instituto da Segurança Social. Estes três organismos faziam as suas campanhas de forma isolada e, há um ano, lançámos-lhes o desafio para se juntarem e fazerem uma campanha a nível nacional. Foi assim que nasceu o “Todos Juntos Pelo Acolhimento Familiar”, uma campanha de sensibilização, de informação e de destruição de mitos”, sumarizou Clara Marques Mendes.
Apesar de sublinhar que ainda há trabalho a fazer, até porque o acolhimento residencial ainda predomina, a secretária de Estado divulgou os números positivos alcançados por esta campanha no último ano, passando de 388 para 504 o total de famílias de acolhimento certificadas. “Este é o caminho certo”, concluiu.
Seguiu-se uma conferência que arrancou com Benjamin Perks, que desempenha o cargo de Head of Advocacy and Campaigns na UNICEF, cuja apresentação versou sobre os problemas que afetam as crianças na sua infância e as consequências que daí advêm para o seu futuro.
Posteriormente o debate estendeu-se à saúde mental infantojuvenil pelas vozes de Paula Carrinho, diretora técnica da Casa de Acolhimento Especializado Solar da Praia, Ricardo Rodrigues, diretor do Centro de Capacitação D. Carlos I, da Santa Casa, e Rita Teixeira, pedopsiquiatra e terapeuta familiar, com moderação de Helena Gonçalves, Procuradora-Geral Regional de Lisboa.
A jornada terminou com a apresentação do livro “100 anos – Declaração dos Direitos das Crianças”, de Paulo Macedo, jurista da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, que contou também com a presença de Maria João Fernandes, vice-presidente da referida Comissão, e com a moderação de Teresa Nicolau, diretora da Cultura da Santa Casa.
Mariana Coimbra Martins e o marido têm três filhos, com três, seis e oito anos. Uma família já grande, mas que há seis meses ficou maior: tornaram-se uma Família de Acolhimento e receberam um bebé com apenas um mês de vida. A ideia de ajudar alguma criança a precisar de um lar surgiu há mais tempo e a Santa Casa foi um destino natural na pesquisa de Mariana sobre o assunto.
“Costumo dizer que ter só serve para dar. Se eu tenho, se tenho amor e tenho tempo, é-me quase impossível dizer não a uma criança que tem o direito a ter um colo e uma casa”, resume Mariana, para quem tudo começou com uma recolha de informação online, antes da inscrição na formação da Misericórdia de Lisboa.
Num “processo exaustivo, mas que por si só já valia a pena”, esta família participou numa formação em grupo e teve visitas domiciliárias de técnicas especializadas. “Fomos avaliados até ao tutano e ainda bem! Os sentimentos de medo acompanhavam-nos, embora a vontade e a coragem ganhassem”, admite.
Play Video about Mãe de Família de Acolhimento com bebé ao colo à janela
Finalmente, deu-se a chegada do novo membro da família e tudo mudou lá em casa.
“Veio, obviamente, alterar muitas rotinas e dinâmicas familiares. Mas creio que não se consegue medir o que crescemos enquanto casal e enquanto família. No outro dia, o nosso filho mais velho dizia: ‘Mãe, nós estamos mesmo diferentes desde que este bebé chegou!’ E isso é mesmo verdade! Muda a nossa perspetiva da vida, posiciona-nos de outra forma e ajuda-nos a perceber o que de verdade importa. Acredito muito que o amor é mesmo um motor para vivermos bem a nossa vida”, afirma a mãe desta Família de Acolhimento.
Mariana confessa que toda a família ficou mais tolerante com o mundo à sua volta, tudo graças a uma criança que, apesar de ter ganho uma casa, também deu muito a ganhar aos seus novos cuidadores: “É avassalador. Ganhamos muito mais do que este bebé. Das situações que mais nos comoveram neste processo foi a forma como, tão naturalmente, os nossos três filhos acolheram este bebé, que não é irmão deles e que não é nosso filho, mas que é nosso! Embora não vá pertencer-nos para o resto da vida”.
“Os miúdos vieram ter connosco a dizer que já queriam preparar o Natal e nós dissemos que ainda era cedo. Mas quando um dos nossos filhos nos diz ‘Mãe, este é o único Natal que o bebé vai estar connosco’, foi impossível não nos arrepiarmos e não alterarmos a nossa resposta.”
Sobre esse momento de despedida, que há de acontecer, mas ainda não tem data marcada, Mariana tenta preparar-se a si e aos seus desde o primeiro dia: “Um dos desafios é tornar esta questão presente diariamente. Desde o início os nossos filhos souberam no que consistia este projeto. Vai doer e vamos chorar, mas é sinal de que cumprimos bem a nossa missão. E o nosso amor por este bebé poderá permanecer de outra forma, se assim for desejo de quem ficar com ele”.
Acolher mais crianças no futuro? Mariana não fecha a porta à ideia, mas quer primeiro viver esta experiência transformadora por completo: “Queremos ser uma família de amor ilimitado e de número indeterminado, por isso queremos acreditar que vamos estar sempre disponíveis para viver esta missão por muitos anos e acolher muitos bebés e crianças. Mas acho importante passar primeiro por esta transição. Devemos ser realistas: nem todas as fases da nossa vida nos permitem acolher esta missão”.
Uma medida de proteção
Este e outros casos de Acolhimento Familiar resultam, primeiramente, de uma medida de proteção da criança, como explica Patrícia Bacelar, diretora do Núcleo de Acolhimento Familiar da Santa Casa.
“Oferece à criança um ambiente seguro, estável e afetivo, enquanto as equipas técnicas avaliam a capacidade real da família de origem e exploram toda a rede familiar alargada. Durante este período, são assegurados direitos essenciais da criança: proteção, saúde, estabilidade, educação, vínculo familiar, participação e projeto de vida. Quando esgotadas todas as possibilidades de retorno à família de origem, o projeto de vida contempla uma resposta familiar permanente, sempre centrada no superior interesse da criança”, assegura.
Para esta responsável da Misericórdia de Lisboa, o caso deste bebé é um exemplo de alguém que encontrou nesta Família de Acolhimento “um espaço para crescer e construir o seu futuro com dignidade, num caso que demonstra como o acolhimento protege, avalia e transforma vidas”.
O Acolhimento Familiar continua a ser uma prioridade na atuação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Na semana em que se assinala o Dia Internacional desta medida, a 31 de maio, recordamos os importantes passos que a Instituição tem dado, numa área ainda com muito caminho a percorrer no nosso país.
Por definição, o Acolhimento Familiar é uma medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças, com caráter transitório e temporário, cujo objetivo é proporcionar à criança ou jovem um ambiente familiar, indispensável ao seu bem-estar físico e emocional e ao seu desenvolvimento harmonioso.
Praticamente sem avanços na área da grande Lisboa antes de 2019, foi a Santa Casa que deu os primeiros passos no sentido de inverter a tendência nacional de institucionalizar as crianças que se vissem impossibilitadas de viver normalmente com as suas famílias biológicas. De forma pioneira, a Misericórdia de Lisboa lançou o seu programa LxAcolhe, que foi reforçando nos anos seguintes, atraindo, selecionando e capacitando Famílias de Acolhimento.
Já no início de 2024, o programa LxAcolhe foi novamente impulsionado pela Santa Casa, sob a mensagem de que só uma Família de Acolhimento pode dar a infância, carinho, amor, mimo, segurança e proteção em a falta a estas crianças.
No mesmo ano, o seminário “Acolher e (é) cuidar – O Acolhimento Familiar como promotor de Saúde Mental”, organizado pela Misericórdia de Lisboa em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, mostrou outra (boa) faceta desta medida. Na altura, Paulo Sousa, Provedor da Instituição, aproveitou para recordar que a Santa Casa tem, em termos de acolhimento, uma vasta experiência de mais de 500 anos, ou não fosse a mais antiga instituição do mundo a acolher crianças.
Campanha nacional
Como a união faz a força, em novembro de 2024 a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa juntou-se à campanha nacional de Acolhimento Familiar lançada pelo governo, da qual também foram parceiras o Instituto da Segurança Social e a Casa Pia de Lisboa. O principal objetivo foi, uma vez mais, ampliar o leque disponível de Famílias de Acolhimento disponíveis a receber crianças em situações de risco e vulnerabilidade.
Já este ano, e com o contributo da Santa Casa enquanto parte de um grupo de trabalho sobre o tema, a legislação mudou. Passou a ser garantido, por exemplo, que as crianças em acolhimento têm um terapeuta e frequentem uma escola próxima do local onde residem. Mas uma das mudanças mais determinantes foi que as Famílias de Acolhimento passaram a poder ser candidatas a adoção, um tema há muito debatido.
Onde estamos hoje
Com o passar dos anos, os resultados das campanhas que apelam à priorização do Acolhimento Familiar em detrimento do institucional/residencial começaram a dar frutos. Hoje, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que nesta área atua pelo distrito de Lisboa, tem uma bolsa composta por 105 Famílias de Acolhimento, todas elas ativas e certificadas.
Atualmente, há 70 Famílias de Acolhimento a acolher crianças. Graças a elas, a Misericórdia de Lisboa conseguiu que 77 crianças e jovens estejam hoje com uma família, da qual recebem cuidados individualizados e referenciação afetiva, num ambiente familiar caloroso, afetivo e reparador, segurança e tranquilidade, através do sentimento de pertença e estabilidade, assim como atenção, escuta e orientação.
Como explicado por Rui Godinho, da Direção de Infância, Juventude e Família da Santa Casa, “uma instituição, por melhor que seja, nunca substitui uma família”.
“Há um ditado africano que diz que para proteger uma criança, é preciso toda uma aldeia. É isso que achamos: não devem ser apenas as instituições a cuidar da proteção das crianças, mas toda a comunidade”, referiu o responsável no podcast “O Boletim”.
Desta forma, o Acolhimento Familiar continua nas prioridades da Santa Casa, que tem organizado frequentes sessões informativas sobre o tema, nas quais técnicos especializados prestam toda a informação necessária sobre os procedimentos inerentes à formalização da candidatura, seleção, formação, avaliação e reconhecimento da Família de Acolhimento. A sessão informativa mais recente aconteceu esta semana.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa continua apostada em divulgar a medida de Acolhimento Familiar, esclarecendo dúvidas e desmistificando preconceitos acerca deste tema. Desta vez, as sessões informativas vão passar pelo Campus da NOVA SBE, em Carcavelos, já na próxima quarta-feira, 28 de maio.
A partir das 17 horas, o Auditório B011 recebe especialistas na matéria que vão debater esta importante medida, na qual a Santa Casa pretende ser uma referência, assumindo-se esta como a prática preferencial entre as medidas de acolhimento.
A sessão, para a qual todos se podem inscrever, vai contar com o testemunho de um jovem acolhido por uma Família de Acolhimento, bem como uma conversa com famílias desta medida, em colaboração com a Fundação O Século.
Rui Godinho, diretor da Direção de Infância e Juventude da Santa Casa, também será orador no evento, sob o tema “A desinstitucionalização – O acolhimento familiar como uma resposta”.
Pedro Oliveira, diretor da NOVA SBE, e Rita Prates, Vice-Provedora da Misericórdia de Lisboa, farão a abertura e o encerramento da sessão, respetivamente.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa continua apostada em reforçar os números do acolhimento familiar na sua área de atuação, privilegiando assim aquela que é uma medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças e jovens, cujo objetivo é proporcionar-lhes um ambiente familiar, indispensável ao seu bem-estar físico e emocional e ao seu desenvolvimento harmonioso.
Para tal, a Instituição quer dar a conhecer esta medida aos interessados, através de várias sessões informativas espalhadas ao longo deste ano. Estas sessões destinam-se a todas as famílias que pretendam constituir-se como famílias de acolhimento e ocorrem previamente à formalização da candidatura, em prazo não superior a 30 dias a partir da data da manifestação de interesse da família junto da Misericórdia de Lisboa.
Nestes encontros, que vão decorrer sempre na Sala de Extrações da Santa Casa, será prestada toda a informação necessária sobre os procedimentos inerentes à formalização da candidatura, seleção, formação, avaliação e reconhecimento da família de acolhimento, bem como da atividade de família de acolhimento.
24 de janeiro 7 de fevereiro 21 de fevereiro 7 de março 21 de março 11 de abril 24 de abril 9 de maio 23 de maio 6 de junho 27 de junho 11 de julho 25 de julho 12 de setembro 26 de setembro 10 de outubro 24 de outubro 7 de novembro 21 de novembro 12 de dezembro 19 de dezembro
Este foi um “jogo” diferente, mas ao qual os atletas se entregaram com a mesma dedicação e energia que costumam demonstrar em campo. Conrad Harder e João Simões, acompanhados do Jubas, proporcionaram uma tarde memorável para todos os presentes, ao mesmo tempo que ajudaram a divulgar o projeto da Misericórdia de Lisboa, cujo objetivo principal é “assegurar que as crianças em situações de risco tenham um futuro digno”, tal como destacou Patrícia Bacelar, diretora do Núcleo de Acolhimento da SCML.
A Fundação Sporting escolheu apoiar a instituição neste período tão significativo, alinhando-se ao lema de Natal do clube deste ano, “Família há só duas”, e ao da Fundação, “Na distância, somos presença”. Inês Sêco, coordenadora-executiva da Fundação Sporting, declarou: “Viemos aqui, como fazemos todos os meses, mas o Natal traz sempre uma sensação especial. Recebemos muitos pedidos e, desta vez, escolhemos a SCML, nossa parceira de longa data, em função dos temas do ano e da oportunidade de estarmos com as famílias de acolhimento. Trazer calor humano e esperança nesta época natalícia foi positivo para todos.”
Conrad Harder e João Simões sentiram o mesmo. Entre a sua disponibilidade inexcedível, os sorrisos, os autógrafos que distribuíram, as fotografias e selfies, tiveram ainda tempo para jogarem uma partida de futebol e mostrarem o seu talento nos trabalhos manuais em pinturas que fizeram com as crianças da UACAF (Unidade de Adoção, Apadrinhamento Civil e Acolhimento Familiar) da Direção de Infância, Juventude e Família.
“É uma época especial e é bom estar aqui. Dar e receber amor é sempre importante, mostrando que há muitas coisas boas na vida e que todos podemos ser felizes. No Sporting Clube de Portugal somos uma grande família e é maravilhoso partilhar esse amor com todos”, declarou Harder.
João Simões concordou com o colega e destacou o altruísmo das famílias de acolhimento: “É importante reconhecer o trabalho destas famílias, que ajudam as crianças a crescer e a ter as mesmas oportunidades que as outras. O Natal é um momento de estar com a família e amigos.”
Foi mesmo uma tarde que, tão cedo, não será esquecida por todos os que nela participaram.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, organizou, mais uma vez, um encontro dedicado ao Acolhimento Familiar, medida aplicada quando uma criança ou jovem que se encontre em situação de perigo não pode permanecer junto da sua família de origem.
O dia começou com o Provedor da SCML, Paulo Sousa, a lembrar que a instituição é pioneira, por ser a mais antiga no mundo a dedicar-se ao acolhimento de crianças. “São mais de 500 anos de compromisso com as melhores práticas na proteção e cuidado dos mais jovens, num referencial de atuação voltada para o bem-estar infantil”.
Com a missão de cuidar das crianças, a SCML assumiu um papel fundamental na transformação do acolhimento familiar numa prioridade nas políticas de infância e juventude em Portugal. “Lançámos, em 2019, o programa ‘LX Acolhe’, um projeto inovador cuja missão é integrar e apoiar famílias de acolhimento na região de Lisboa. Antes deste programa, não havia famílias de acolhimento nesta geografia. Hoje, mais de 170 crianças e jovens já foram acolhidos por cerca de 100 famílias, numa mudança significativa que reafirma o compromisso da SCML com a sociedade”, lembrou o Provedor.
“O caminho ainda é longo. Mas pretendemos que, até 2030, 90% das crianças e jovens com menos de 12 anos sejam colocados em famílias de acolhimento, o que exigirá da nossa parte um investimento ainda maior na rede de apoio, continuando a contar, para tal, com a parceria que desenvolvemos em 2020 com a ProChild Colab, no sentido de desenvolvermos um modelo integrado de acolhimento familiar”, concluiu Paulo Sousa.
Durante o dia, o seminário trouxe uma vasta troca de experiências e boas práticas, no sentido de alertar a sociedade para a importância do Acolhimento Familiar. Vários especialistas discutiram a intervenção e o papel das instituições nesta área, os benefícios desta abordagem para a saúde mental das crianças e as estratégias adotadas.
“São dois braços, são dois braços. Servem para dar um abraço” – (Canção dos abraços, Sérgio Godinho)
Um dos momentos mais impactantes do encontro foi o dos testemunhos de duas famílias de acolhimento presentes, que contaram, na primeira pessoas, a experiência de acolherem “um filho que não era, mas que passou a ser”.
Mas o que é isto de ser família de acolhimento? O que é isto de receber uma criança e depois deixá-la ir? Estas foram as perguntas que mais ouviram dos amigos e familiares quando decidiram acolher uma criança em suas casas, contou ‘Filipa’ (nome fictício). “Tivemos quase um ano de formação, para podermos estar bem preparados. Mas o que recebemos com esta experiência não se descreve em palavras. Foi “amor”, sublinha.
Patrícia Bacelar, Diretora do Núcleo de Acolhimento Familiar da SCML, tentou traduzir em que consiste esta experiência, utilizando uma canção de Sérgio Godinho: “São dois braços para dar um abraço. Estas crianças vêm de famílias que viveram situações muito difíceis. Numa família de acolhimento recebem o carinho, a atenção e a segurança que desconheciam”.
Atualmente, no âmbito das competências atribuídas à SCML, o programa LxAcolhe atua na Grande Lisboa (Amadora, Cascais, Loures, Lisboa, Oeiras, Odivelas, Sintra e Vila Franca de Xira) e, neste seguimento, em estreita articulação com os Núcleos de Infância e Juventude, têm sido desenvolvidas várias iniciativas de divulgação local. A Câmara Municipal de Oeiras tem sido uma autarquia impulsionadora na divulgação do Acolhimento Familiar e na implementação da medida, e associou-se à SCML para realizar eventos que correspondessem à necessidade de recrutamento de famílias de acolhimento em número, diversidade e qualidade para responder às necessidades das crianças e jovens que necessitam de ser acolhidos.
Play Video about painel seminário acolhimento familiar
Dando continuidade ao trabalho desenvolvido na área do Acolhimento Familiar, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa vai organizar, em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, um seminário totalmente dedicado ao tema, sob o mote “Acolher e(é) cuidar – O Acolhimento Familiar como promotor de Saúde Mental”. Esta ação vai decorrer no dia 24 de outubro, no Taguspark, (Edifício Núcleo Central 100, Centro de Congressos), entre as 9h30 e as 17h30.
Em debate estarão temas como o papel das instituições no Acolhimento Familiar, os benefícios desta medida para a saúde mental, as estratégias adotadas, a importância de toda a rede envolvida no processo e os testemunhos das famílias que seguiram este caminho.
Recorde-se que o Acolhimento Familiar é aplicado quando uma criança, que se encontre em situação de perigo, não pode permanecer junto da sua família de origem. A criança é, então, recebida por uma família de acolhimento de forma temporária, mas pelo tempo que for necessário, até que o seu projeto de vida se possa concretizar, seja através do regresso à família de origem, da adoção, ou de outro caminho.
A Santa Casa tem liderado a evolução no complexo caminho do Acolhimento Familiar em Portugal, tendo lançado, em 2019, o pioneiro LxAcolhe, um programa que rapidamente se tornou uma referência nacional e objeto de replicação em todo o país.
Efetivamente, em 2019 não existia qualquer família de acolhimento na região da Grande Lisboa, mas atualmente existem cerca de uma centena, que, juntas, já acolheram mais de 170 crianças e jovens, evitando assim a sua institucionalização.
André tinha 3 anos quando ganhou uma segunda família, com direito a pai, mãe e dois irmãos.
Tiago e Sofia, pais do Tomás e da Clarinha, estavam de acordo num ponto: ambos queriam uma terceira criança nas suas vidas. A forma como tal aconteceria é que os dividia. “Eu estava mais com aquela ideia romântica e cliché de ‘vamos ajudar alguma criança que já esteja neste mundo e que precise’, sendo que a única forma que conhecia para o fazer era a adoção”, começa por nos contar Tiago Swart, o coprotagonista desta história inspiradora.
Nem de propósito: um dia, está Sofia – a outra personagem principal – parada no trânsito quando vê um cartaz da Santa Casa relativo ao programa de acolhimento, na traseira de um autocarro que parou, literalmente, à sua frente. Chegou a casa, comentou com o marido Tiago e, calhando a circunstância de terem um amigo funcionário da instituição, telefonaram-lhe para obterem mais informações sobre o assunto.
Esclarecidos em traços gerais, foi o que bastou para tentarem perceber melhor o que estava em causa. Contactaram a Santa Casa, que os encaminhou para uma formação online de quase dez meses (coincidiu com a altura da pandemia do covid-19). No final, não tiveram dúvidas de que seria ‘o’ filho que queriam abraçar com total dedicação.
“Uma ou duas semanas depois de termos terminado a formação, e de termos sido aceites como família ‘pronta’ para o acolhimento, foi-nos proposto o André. Na altura, tomámos conhecimento de uma doença muito específica de que padecia, pelo que, ainda antes de o conhecermos, visitámos a instituição em que estava inserido para podermos conversar com as técnicas que o acompanhavam, no sentido de percebermos os cuidados especiais de que precisava. Depois de uma tarde reunidos, e de termos compreendido todas as possíveis necessidades que o André poderia ter, decidimos, então, aceitar e avançar com o seu acolhimento, recebendo-o em nossa casa”, relembra Tiago.
O dia-a-dia na nova família
A adaptação de André à sua nova casa foi tranquila, muito graças ao ambiente acolhedor que já existia. Rapidamente se tornou parte da dinâmica familiar, com todos a contribuírem para que tal acontecesse. No ‘todos’, leia-se, dois filhos pequenos.
“O André encaixava mesmo no meio das idades dos nossos filhos – a Clarinha tinha 3 anos na altura, o André 4 e o Tomás 6. Ou seja, a parte do acolher em casa e da rotina do dia-a-dia, depois da adaptação inicial, nossa e dele, foi muito natural, uma vez que já tínhamos duas crianças. E é exatamente como se costuma dizer, ‘onde comem dois comem três, dá-se banho a dois, dá-se banho a três, despacham-se dois para irem para a escola, despacham-se três’”.
Tiago abre apenas uma exceção para o momento que exigiu alguma adaptação extra, mas do qual nunca quiseram abdicar, por considerarem (ele e Sofia) essencial ao sucesso do acolhimento e da vida do André: o momento das suas visitas à mãe e à família de origem.
“Mesmo exigindo alguma ‘ginástica’ da nossa parte em termos logísticos, nunca deixámos de o fazer, pois encarámos sempre essa premissa como parte fundamental do programa. Não faria sentido se assim não fosse. Se não permitirmos que o contacto com a família de origem continue de uma forma regular para que os laços não se percam, como é que depois vai ser a integração dessa criança na sua família outra vez?”, interroga este pai, agora já de ‘quatro’.
E os filhos? Como reagiram?
“Quando o André chegou a nossa casa, a Clarinha era muito pequenina, tinha 3 anos. Contámos-lhe que havia um menino que, naquele momento, não podia estar com a mãe e que, por isso, precisava de uma casa para morar. E era por isso que queríamos acolhê-lo. Também para o Tomás, mais velho (na altura com 6 anos), a situação foi muito serena e constituiu algo que fazia todo o sentido, até porque, sendo um menino com um coração muito bonzinho – é aquele rapaz que vai sempre confortar os amigos quando alguma coisa está mal – seria lógico que um menino, a precisar de uma casa, ‘claro que o iríamos receber, não há problema nenhum’”, relembra Tiago, com um orgulho indisfarçável na voz e no rosto. E acrescenta: “a Clarinha foi a primeira a chamar ‘mano’ ao André, porque, na cabeça dela, ele sempre esteve cá em casa. ‘Se sempre esteve cá em casa, é meu mano, como o Tomás’”.
O relacionamento com a mãe do André
Tiago e Sofia nunca não tiveram dúvidas sobre a forma como queriam e deviam relacionar-se com a mãe e família de origem do pequeno André: era imperativo e necessário envolvê-los o mais possível na rotina do menino.
“Estávamos um bocadinho receosos relativamente à reação quando nos conhecessem, mas o primeiro impacto foi positivo. Desde o início que construímos uma relação sólida, de amizade, não só com a mãe, mas também com as avós e as tias. Elas estão e estiveram sempre presentes nas várias decisões a tomar, escolares ou outra, e também as relativas à condição especial do André. A mãe dele não sabia, de todo, como lidar com esta doença”, conta Tiago.
“Fomos nós que capacitámos a mãe, através da formação que também recebemos. Estamos convencidos que, sem esta relação próxima, tal não teria sido possível, tal como não teria sido possível, por exemplo, o André falar com a mãe sempre que quer, quando sente necessidade disso. Ele pede-nos para ligar-lhe e nós, obviamente, ligamos”. Tiago conclui, orgulhoso: “queríamos que isto fosse mesmo assim e deixa-nos muito felizes o caminho que percorremos até aqui”.
O futuro
Tiago e Sofia vivem agora algumas emoções variadas, que perspetivam um futuro desafiante. Por um lado, chegou o bebé Simão – faz em março precisamente um mês. Por outro, o André está quase a voltar para a sua mãe e família de origem.
“Neste momento, o nosso acolhimento ao André está, felizmente, a chegar ao fim. E digo felizmente porque significa que ele vai retornar à família de origem em breve. Obviamente que estamos na expectativa de saber como nos vamos sentir, porque agora vai ser… o desapego”.
Tiago parece dizer estas frases sem tristeza: “temos uma relação tão boa com a família do André, uma relação de amizade tão próxima, que acreditamos que ele não vai sair da nossa vida. Jamais! Nem agora nem daqui a dez ou quinze anos. Estamos convictos de que vamos continuar a apoiá-lo, vamos continuar a passar fins de semana e férias e a ‘matar saudades’. Faremos parte da sua família, sempre. Não somos família de sangue, mas somos do coração”.
E remata, com a anuência de Sofia: “tenho a certeza de que vamos voltar a ser família de acolhimento. Vamos só esperar que o nosso bebé não esteja tão dependente. Mas voltaremos a acolher uma criança – disso não tenho dúvida nenhuma”.
Para saber mais sobre acolhimento familiar, consulte aqui.