Desde a fundação da instituição, em 1498, que o seu património arquivístico e espólio bibliográfico foram sendo enriquecidos progressivamente, com a produção de registos que formaram o arquivo inicial.
A sede da Misericórdia, localizada inicialmente numa das capelas da Sé de Lisboa, foi transferida, em 1534, para um novo edifício mandado erigir por D. Manuel I e a documentação terá sido acondicionada numa área mais ampla e adequada.
Todavia, em 1755, o terramoto e o violento incêndio que se lhe seguiu destruíram o edifício manuelino e praticamente toda a documentação aí guardada. Desde logo, os responsáveis da instituição tiveram a preocupação de reconstruir os processos do “Cartório” (antiga designação de arquivo), ordenando que fossem copiados todos os registos pertinentes para preservação na Torre do Tombo e no Arquivo do Hospital de Todos-os-Santos.
Este espólio foi sendo reunido e conservado ao longo dos séculos e, atualmente, o Arquivo preserva importantes exemplares de regulamentação interna; documentos relacionados com a atividade administrativa, como o Compromisso de 1502 (https://scml.pt/cultura/arquivo-historico/o-compromisso/), que representa os estatutos da Confraria da Misericórdia; projetos desenvolvidos junto dos mais carenciados e desprotegidos, destacando-se os elementos referentes aos Expostos (https://scml.pt/cultura/arquivo-historico/sinais-de-criancas-expostas/); elementos referentes aos diversos jogos sociais; e documentação relacionada com o apoio religioso (englobando processos de casamento, óbitos ou autênticas de relíquias).
A Misericórdia de Lisboa possui igualmente uma importante biblioteca de Livro Antigo.
Percurso geográfico do Arquivo
A adequada reprodução e organização do espólio foi uma prioridade que se manteve tendo em vista a recuperação de todos os elementos considerados essenciais. Nesse sentido, a 3 de janeiro de 1842, surgiu uma determinação da Comissão Administrativa da SCML, referindo-se à necessidade de ser elaborado um índice geral do Cartório.
Apesar destas orientações, persistiram sempre deficiências relacionadas com uma eficaz recuperação de elementos e processos. O Arquivo continuava a necessitar de instalações adequadas e de funcionários com formação específica tal como era indicado, no final do século XIX, pelo arquivista Vítor Maximiano Ribeiro. Só assim seria viável levar a cabo um trabalho com continuidade, tendo por objetivo descrever, preservar e divulgar esta documentação de elevado valor e interesse histórico-cultural.
Este espólio permitiu que Vítor Ribeiro recolhesse elementos para escrever a primeira História da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O sucesso desta obra foi um dos fatores que provocaram um crescente interesse pelo Arquivo desta instituição e que conduziram a várias deliberações da Mesa, até 1960, que passaram pela deslocação do arquivo e da biblioteca para outros locais pertencentes à Misericórdia sem que, porém, fossem intervencionadas as suas instalações ou contratados mais técnicos, aspetos considerados essenciais para se conseguir melhorar o trabalho desenvolvido pelo arquivo e alcançar os objetivos desejados.
Já em 1965, foi considerada a hipótese de transferir o Arquivo para parte da área que era ocupada pelo depósito de inutilizados (que ficava em Xabregas), mas tal solução também não se concretizou.
Com o passar dos anos, e sem qualquer tipo de intervenção, a situação agravou-se e fez com que, em 1971, fossem elaborados estudos para a escolha de um novo espaço, optando-se pelo imóvel na avenida D. Carlos I, n.º 126/ rua de São Bento, n.º 9, onde ainda se encontra sediado o Arquivo Histórico/ Biblioteca (designação atribuída ao serviço em 1993). Esta área, embora mais adequada, não tinha sido construída com o objetivo de aí acondicionar processos – ficava ao nível de uma cave e não tinha compartimentação para o depósito de documentação.
Em 1987, a Mesa da Misericórdia deliberou, então, a transferência do Arquivo Histórico para S. Roque, mas a determinação não se cumpriu. Ainda assim, manteve-se a salvaguarda e recuperação do património arquivístico, tendo sido restaurados vários documentos de extremo valor e significado.
Com a explosão do volume documental (sobretudo a partir da década de 1960), o Arquivo ganhou maior visibilidade, tendo-lhe sido solicitado um crescente número de atividades, nomeadamente de avaliação e seleção da documentação, passando a haver também uma maior preocupação com a salvaguarda da informação.
Em 1994, foi requerido ao Arquivo que apresentasse uma proposta de transferência do serviço para um edifício concebido para esse fim, por forma que se evitassem novas transferências. Foi então desenvolvido um grande esforço por parte de várias instâncias da Misericórdia de Lisboa que, aliado a um programa inovador e a um período de maior disponibilidade financeira, permitiu alcançar o objetivo. Escolheu-se um parceiro de referência, através de um protocolo com a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, para elaborar um projeto arquitetónico com características e qualidade técnica, essenciais à boa preservação e segurança da documentação.
E em setembro de 2005, as obras começaram no edifício de São Roque.
O que mudou com o novo Arquivo?
A transferência do Arquivo Histórico trouxe consigo uma alteração profunda em termos de qualidade que se verificou não só nas condições de acondicionamento e preservação da documentação, como nas condições de trabalho de todos os colaboradores e ainda na oferta disponibilizada aos utilizadores.
As mudanças foram vastas e profundas e abrangeram um conjunto de elementos cruciais, como:
Estantes compactas – as caixas onde os documentos estão acondicionados estão instaladas num sistema de estantes rolantes com características específicas, destinadas a conservar convenientemente todo o espólio. Além da superior qualidade no acondicionamento, estas estantes permitiram colocar, numa mesma área, um volume documental muito superior ao que seria arrumado nas estantes tradicionais.
Estrutura – As estantes compactas, montadas nos diversos depósitos, exigem que a estrutura das salas suporte uma carga muito elevada, pelo que foi concebido e construído um sistema que reforça o piso superior dos depósitos, incluindo a criação de um andar intermédio, resistindo, de forma mais eficaz, a um possível terramoto.
Depósitos – As salas de depósito estão centralizadas na zona norte do imóvel e as áreas de trabalho e sala de leitura no corpo mais a sul, onde a luz natural é mais intensa. A área de depósitos está devidamente compartimentada, o que se reveste de particular importância, uma vez que nos espaços menores é relativamente mais simples e económico manter as condições ambientais sem grandes oscilações. Além disso, em caso de catástrofe, como fogo ou inundações, torna-se mais fácil confinar qualquer desses problemas apenas à sala onde este teve origem, evitando que se propague, com tanta facilidade, a outras divisões.
Safety Area Security (SAS) – O acesso aos corredores dos depósitos é feito através desta SAS, uma área que contém a zona do monta-livros, com duas portas nas extremidades que funcionam em sintonia. Assim, quando uma se abre, a outra fica encerrada até que a primeira seja devidamente fechada. Este processo garante que as atmosferas dos corredores, separados pela SAS, nunca entrem em contacto direto. O sistema evita desperdícios de energia porque se controla, de forma eficaz, o ambiente dos depósitos (temperatura, humidade, poeiras, etc.). Além disso, este método é um elemento importante de contenção de um eventual incêndio, uma vez que as duas portas são corta-fogo.
Alteração das condições de trabalho – Para as atuais instalações do Arquivo Histórico, os circuitos da documentação e os percursos dos funcionários foram estudados, por forma que garantissem a eficiência de procedimentos e um maior grau de eficácia em relação às tarefas desenvolvidas.
Higienização da documentação – O Arquivo tem uma sala específica para esse fim, equipada com uma mesa de higienização que permite desenvolver a atividade dentro dos parâmetros de segurança e proteção dos funcionários, assim como dos suportes de informação.
Área dos utilizadores – Foi das que mais sofreram alterações e para incomparavelmente melhor. O Arquivo Histórico trouxe uma sala de leitura com mais postos de trabalho, iluminação adequada e mobiliário apropriado; melhor acesso a um maior número de instrumentos de descrição documental e a bases de dados dos fundos documentais; e cacifos individuais.
Agora que já conhece um pouco da história deste valiosíssimo espaço da Santa Casa, venha conhecê-lo. Marque uma visita guiada através do e-mail: arquivo.historico@scml.pt